Em meio à escalada das acusações de corrupção da operação Lava Jato, que lança suspeitas sobre mais de 50 deputados federais, o Conselho de Ética da Câmara – responsável por avaliar a conduta dos representantes populares – tem passado ao largo das investigações nos últimos três anos.
Na atual legislatura, o órgão foi monopolizado por picuinhas e ofensas que envolvem, principalmente, dois sobrenomes: Bolsonaro e Wyllys. Seis dos 14 processos que tramitaram no Conselho de Ética têm como acusados Jean Wyllys (3), Eduardo Bolsonaro (2) e Jair Bolsonaro (1).
Ao mesmo tempo em que lidera como deputado sobre o qual recaiu o maior número de acusações, Wyllys é citado como alvo de ofensas em três processos – dois em que o acusado era Eduardo Bolsonaro e uma, o Delegado Éder Mauro.
Ofensas e agressões entre adversários políticos correspondem à maioria das representações apresentadas no Conselho de Ética: oito entre 14 processos.
Duas envolvem a edição de vídeos onde foi constatada a manipulação de falas de Wyllys; outras duas dizem respeito a acusações de corrupção; por fim, mais duas referem-se a supostos discursos de intolerância.
O resultado das deliberações do conselho frequentemente é nulo. Um levantamento feito pela BBC mostra que, dos 13 processos já deliberados (há um 14º ainda em tramitação), apenas dois levaram a algum tipo de punição aos deputados: a cassação de mandato do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e uma censura escrita direcionada a Jean Wyllys. Os outros foram arquivados.
Para Sérgio Praça, cientista político e professor da FGV CPDOC, destaca-se no levantamento o foco em questões relacionadas à retórica, em detrimento de aspectos éticos “propriamente ditos”. “Também, se fosse colocar todo mundo que está na Lava Jato no conselho, ele não conseguiria trabalhar”, diz.
Enquanto o foco na retórica evidencia, para Praça, um funcionamento apenas “simbólico” do Conselho de Ética, recai sobre outras instituições – como o Ministério Público e a própria imprensa – a responsabilidade por apurações sobre os esquemas de corrupção. “Ao mesmo tempo, é impensável não ter um Conselho de Ética”, aponta.
Criado em 2001, o colegiado surgiu em meio a uma sequência de revelações de esquemas de corrupção. Em seus primeiros anos de trabalho, foi justamente nos casos rumorosos de corrupção, como nos achados da CPI dos Correios ou das investigações do mensalão, que o colegiado se concentrou.
O cientista político Murillo de Aragão lembra que o Conselho de Ética já recomendou punições severas e emblemáticas, como a perda do mandato de Roberto Jefferson e José Dirceu, envolvidos no escândalo do mensalão, e o próprio caso de Cunha.
Aragão explica que o grau de punição imposto pelo conselho varia, mas que um fator é determinante: a pressão externa. “Sem uma atuação permanente da opinião pública e, em especial, da sociedade civil, tais denúncias vão terminar sempre no arquivo. Não há uma cultura de reprimendas a colegas no Congresso Nacional”, aponta.
“Vagabunda” e “maconheiro”
Em uma das contendas que tramitou no Conselho de Ética a partir de 2015 e que levou à censura escrita, Wyllys foi julgado por ter cuspido em Jair Bolsonaro durante votação da admissibilidade do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff na Câmara.
Em outros processos, que foram arquivados, Wyllys era acusado de associar a atuação dos deputados Eduardo Bolsonaro, Jair Bolsonaro e Marco Feliciano ao atentado à boate gay Pulse, nos Estados Unidos; e de atentar à “moral” do deputado João Rodrigues.
Já Eduardo Bolsonaro viu arquivadas duas acusações contra si: uma de um vídeo editado que manipulava a fala do deputado do PSOL e outra de um cuspe.
Laerte Bessa (PR) também acumulou duas representações contra si. Foi acusado de ofensas proferidas contra o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg. “Eu tenho falado que o governador de Brasília é um grande maconheiro, um bandido que está acabando com o Distrito Federal. Esse governador, além da incompetência que tem, porque ele não sabe gerir, ele é preguiçoso, é um cara que não trabalha”, disse Bessa em plenário.
Em outra ocasião, o deputado chamou a “maioria” dos petistas de ladrões, além de se referir à ex-presidente Dilma Rousseff como “vagabunda”.
Por outro lado, o processo que recaiu sobre Jair Bolsonaro – já arquivado – o acusava de fazer “apologia ao crime de tortura” ao homenagear o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra na votação pela admissibilidade do impeachment de Dilma.
Ustra foi considerado pela Comissão Nacional da Verdade responsável por perpetrar torturas durante a ditadura militar.
Procuradas, as assessorias de Wyllys, Jair e Eduardo Bolsonaro não enviaram posicionamento até a publicação desta reportagem.
Já a equipe de Laerte Bessa ressaltou que as representações foram arquivadas e que “não houve nenhum atentatório ao decoro parlamentar”. “O intuito foi de criticar, não de injuriar”, escreveu a assessoria de Bessa em nota, acrescentando que o deputado estava no pleno exercício de suas funções.
Acusações de partidos políticos
Representações contra deputados podem chegar ao Conselho de Ética por autoria de partidos políticos ou por obra da Mesa Diretora da Casa – que pode atender à provocação de parlamentares, comissões ou cidadãos.
Neste caso, a Corregedoria da Câmara avalia a procedência da acusação – em caso positivo, encaminha para o Conselho de Ética.
Aqueles apresentados por partidos políticos vão direto para o conselho, e é o PT que mais recorreu a esse mecanismo: entre 2015 e 2017, o partido abriu quatro representações. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) vem em seguida, com dois processos.
Em caso da deliberação, no conselho, por penalidades graves – como a suspensão ou a perda do mandato -, o processo deve seguir para o plenário da Câmara. Foi o que aconteceu com Cunha, que teve o mandato cassado em 2016. A representação, aberta pelo PSOL e pela Rede, concluiu que ele mentiu em depoimento à CPI da Petrobras, em 2015, ao afirmar que não tinha contas no exterior.
O Conselho de Ética avalia acusações contra deputados com base no Código de Ética e no Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Esses documentos tipificam uma série de condutas “incompatíveis com o decoro parlamentar”, como perturbar a ordem das sessões da Casa, praticar ofensas físicas ou morais, usar o cargo para constranger e aliciar funcionários, além de relatar matérias de interesse de eventuais financiadores de campanhas eleitorais.
As acusações contra os parlamentares na Lava Jato poderiam facilmente se enquadrar nessas duas últimas condutas.
// BBC