O ex-juiz Sérgio Moro confirmou nesta quarta-feira (10) a sua filiação ao Podemos, ao mesmo tempo em que o presidente Jair Bolsonaro se aproxima de uma filiação ao PL. Para analisar essa movimentação político-partidária que tem como pano de fundo a eleição presidencial de 2022 no Brasil, a RFI entrevistou o cientista político Gaspard Estrada do Observatório Político da América Latina da Sciences Po, o Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Para Estrada, uma eventual candidatura de Moro abalaria mais os planos de Bolsonharo do que os de Lula: “Bolsonaro e Moro estão disputando um eleitorado semelhante. O eleitorado de Moro está muito ligado a esta pauta moral. É o eleitorado do Sul do país, homem, branco, que ganha entre cinco e dez salários mínimos; é um eleitorado que já votou no Bolsonaro”, afirma.
“Enquanto isso, a candidatura do Lula já está hoje extrapolando o eleitorado médio do PT, que sempre tem, no primeiro turno, entre 30% e 40% dos votos. Eu tendo a achar difícil que ele seja eleito já no primeiro turno, mas eu acho que o PT de 2021 está voltando aos níveis que o PT teve nos anos 2000″, analisa.
Já sobre a possível ida de Bolsonaro ao PL, ele é taxativo: “Ele precisa de um partido para ser candidato. Para mim, esta tentativa de filiação já é em si um fracasso, porque ele queria construir o seu próprio partido político”.
Estrada não acredita que a chegada de Moro ao jogo político para 2022 possa alterar a polarização entre Lula e Bolsonaro. “É claro que Moro tem o apoio, ainda hoje, em setores importantes da imprensa. Mas eu tendo a achar que ele pode ganhar alguns pontos nas pesquisas por recall, porque lembram dele, do que por intenção de voto. Eu acho que o cenário vai ficar um pouco mais claro após o Carnaval”.
“Eu não vejo a candidatura do Moro competitiva, acho que o sistema político não gosta dele, nem a esquerda nem a direita, ele criou uma unanimidade contra ele. Ele vai ter dificuldade para criar um palanque. E tem um problema de discurso: só fala da agenda dele como juiz, da Lava-Jato e da corrupção. Ora, para ser presidente você tem que falar do Brasil e dos problemas do Brasil”, diz o cientista político.
“Moro, além desta pauta anticorrupção e moralista, não fala de biodiversidade, Amazônia, economia, então tem um problema de discurso. Além disso, está num partido pequeno e não tem, até onde eu sei, esta estrutura que o Bolsonaro construiu para difundir fake news, que permitiu alavancar a sua candidatura, embora ele não pertencesse a um partido grande”, continua.
Terceira via
Para Estrada, todas as candidaturas que têm tentado ocupar o espaço da chamada terceira via não têm tido sucesso, pelo menos segundo as pesquisas de opinião.
“Hoje, há uma polarização entre Lula e Bolsonaro, e as outras candidaturas, como a do ex-ministro Ciro Gomes, não têm conseguido pontuar acima ou na faixa dos 10 pontos. O Moro está numa faixa entre 5 e 10 pontos, onde estão vários possíveis candidatos, mas que não estão conseguindo decolar. Então, eu acho difícil que, pelo menos nos próximos meses, que o Moro consiga crescer com força no quadro eleitoral. No entanto, falta ainda muito tempo para a eleição”, afirma.
“Os brasileiros não estão preocupados com a campanha, mas com a economia, com a sobrevivência, com a crise sanitária, econômica e do mercado de emprego”, sublinha.
Além disso, lembra Estrada, embora Moro seja muito conhecido em termos quantitativos – muitos brasileiros sabem quem ele é -, “do ponto de vista qualitativo ele perdeu muito: sua imagem ficou diminuída por causa de todas as revelações feitas pela imprensa brasileira e estrangeira a respeito da Lava-Jato, a ligação dele com Bolsonaro e o fato de ele ter sido ministro do Bolsonaro”.
“Deste ponto de vista, eu tenho minhas dúvidas a respeito da viabilidade eleitoral de Sergio Moro”, conclui.
Para o cientista político, estas revelações abalaram a credibilidade do ex-juiz. “A própria Justiça disse que o Moro foi um juiz parcial”. “E não podemos esquecer que a eleição de Bolsonaro deveu-se, em grande medida, ao fato de que Lula não pôde ser candidato em 2018 porque ele foi impedido pelo juiz que virou ministro do candidato que se beneficiou do impedimento dele (de Lula)”.
Porém, segundo Estrada, a aposta do Moro em 2020 não deu certo. “Moro queria rachar o bolsonarismo”.
“Degradação da democracia brasileira”
De acordo com Estrada, os braileiros têm de ficar de olho no Poder Legislativo. “O Congresso, junto com o governo, vai tentar até o final encontrar uma maneira para tentar manter os acordos espúrios entre o Congresso e o Executivo. O que está em jogo nesta eleição de 2022, além de uma eventual mudança de rumo político, é esta relação entre Executivo e Legislativo, que deve estar no debate público”, acredita.
“É isso o que está no centro desta degradação da democracia brasileira, principalmente após a decisão do STF que acabou com a verticalização das alianças, que propiciou uma fragmentação partidária maior e essa promiscuidade entre dinheiro e política. Acho que os brasileiros devem se posicionar, não só votar no Executivo, mas também no Legislativo”, finaliza o cientista político, que vai mediar a conferência que o ex-presidente Lula dará na Sciences Po, em Paris, na próxima terça-feira (16).
// RFI