Na Física, o passado determina o que acontece no futuro. Se os físicos sabem como o universo começou, também conseguem calcular o futuro por todo o tempo e espaço.
Um grupo de pesquisadores dos EUA, de Portugal e da Holanda diz que existem alguns tipos de buracos negros para os quais a lei não vigora. Se alguém se aventurasse em um desses buracos negros e sobrevivesse, essa pessoa teria o passado obliterado e poderia ter um número infinito de futuros possíveis.
As alegações não são propriamente novidade, mas os físicos invocaram algo chamado “forte censura cósmica” no passado para explicar. Ou seja, algo catastrófico – tipicamente uma morte horrível – impediria que os observadores realmente entrassem em uma região do espaço-tempo em que seu futuro não fosse determinado.
Esse princípio, proposto pela primeira vez há 40 anos pelo físico Roger Penrose, mantém intocada a ideia de determinismo, chave para qualquer teoria da Física, que afirma: dado o passado e o presente, as leis da Física do universo não permitem mais do que um possível futuro.
Mas, de acordo com os cálculos do matemático Peter Hintz, da Universidade da Califórnia, nos EUA, em alguns tipos específicos de buracos negros em um universo como o nosso, que está em expansão a uma taxa acelerada, é possível sobreviver à passagem de um mundo determinista para um não determinista.
Ninguém sabe como seria a vida em um espaço onde o futuro é imprevisível. Mas a descoberta não significa que as equações de Einstein da relatividade geral, que até agora descrevem perfeitamente a evolução do cosmos, estão erradas, diz Hintz.
“Nenhum físico vai viajar para um buraco negro e medir isso. Essa é uma questão matemática. Mas, a partir desse ponto de vista, isso torna as equações de Einstein matematicamente mais interessantes”.
A principal característica dos buracos negros é que nada escapa à sua gravidade, nem mesmo a luz. Se nos aproximarmos muito e atravessarmos o horizonte de eventos, nunca conseguiríamos escapar. Em buracos negros menores, não seria possível sobreviver sequer à aproximação. As forças de maré próximas ao horizonte de eventos simplesmente desconstruiriam qualquer coisa, transformando a matéria em uma série de átomos.
Mas em buracos negros grandes, como os objetos supermaciços nos núcleos de galáxias como a Via Láctea, que pesam dezenas de milhões, senão trilhões de vezes, a massa de uma estrela cruzar o horizonte do eventos poderia não ser tão dramático.
E exatamente por poder ser possível sobreviver à transição entre este mundo e o mundo do buraco negro, os físicos e matemáticos há muito tempo se perguntam como seria esse mundo.
Os cientistas procuraram as respostas nas equações de relatividade geral de Einstein para prever o mundo dentro de um buraco negro. Essas equações funcionam bem até que um observador alcance o centro, ou a singularidade, onde, nos cálculos teóricos, a curvatura do espaço-tempo se torna infinita.
Mesmo antes de chegar ao centro, no entanto, um explorador de buracos negros – que nunca conseguiria comunicar o que encontrou ao mundo exterior – poderia encontrar alguns marcos esquisitos e mortíferos. Hintz estuda um tipo específico de buraco negro – um buraco negro padrão, não rotativo e com uma carga elétrica – e esse objeto tem algo chamado horizonte de Cauchy dentro do horizonte de eventos.
É nesse ponto, no horizonte de Cauchy, que o determinismo se degrada e o passado já não determina o futuro. Os físicos argumentam que ninguém poderia atravessar o ponto do horizonte de Cauchy porque seria aniquilado.
Segundo esse ponto de vista, quando o observador se aproxima do horizonte, o tempo anda mais devagar, uma vez que os relógios ficam mais lentos em um forte campo gravitacional. À medida que as ondas de luz e gravitacionais encontram o buraco negro, o observador acabaria por ver toda essa energia simultaneamente.
Hintz percebeu, no entanto, que isso não se aplica a um universo em expansão acelerada, como o nosso. Como o espaço-tempo está cada vez mais separado, grande parte do universo distante não afeta o buraco negro, já que essa energia não pode viajar mais rápido do que a velocidade da luz.
Na verdade, a energia disponível para entrar no buraco negro é apenas a contida no horizonte observável: o volume do universo que o buraco negro pode esperar ver ao longo da sua existência.
Para nós, por exemplo, o horizonte observável é maior do que os 13,8 bilhões de anos-luz que podemos ver no passado, porque inclui tudo o que veremos para sempre no futuro. A expansão acelerada do universo vai nos impedir de ver além de um horizonte de cerca de 46,5 bilhões de anos-luz.
Nesse cenário, a expansão do universo neutraliza a amplificação causada pela dilatação do tempo dentro do buraco negro e, em determinadas situações, a cancela totalmente. Nesses casos, um observador poderia sobreviver ao passar pelo horizonte de Cauchy e chegar a um mundo não determinista.
“Existem algumas soluções exatas das equações de Einstein que são perfeitamente lisas, sem torções, sem forças de maré a ir para o infinito, onde tudo está perfeitamente bem comportado até esse horizonte de Cauchy e além”, diz o cientista, observando que a passagem pelo horizonte seria dolorosa, mas breve.
“Depois disso, todas as apostas estão de fora, em alguns casos, como em um buraco negro Reissner-Nordström-de Sitter, pode-se evitar a singularidade central e viver para sempre em um universo desconhecido”, teoriza.
Buracos negros com esse tipo de carga são muito difíceis de existir, diz o estudioso, uma vez que atraem matéria com a carga oposta até ficarem neutros.
No entanto, as soluções matemáticas para buracos negros carregados são usadas como uma espécie de teste intermediário para o que aconteceria dentro de buracos negros rotativos, que provavelmente são a norma.
Hintz argumenta que buracos negros lisos e rotativos, chamados buracos negros de Kerr-Newman-de-Sitter, se comportariam da mesma maneira.
O artigo de Hintz já provocou outros trabalhos, um dos quais sugere que mesmo os buracos negros mais “bem comportados” não violam o determinismo. Mas Hintz insiste que uma instância de violação já é demais. “As pessoas foram complacentes durante cerca de 20 anos, desde meados da década de 90, essa forte censura cosmológica é verificada. Nós desafiamos esse ponto de vista”, declarou o físico.
Essa não é a primeira vez que se fala em uma possível saída dos buracos negros. Um estudo de 2016 dizia que, afinal, a passagem para outra região do universo talvez seja possível.
Ciberia // ZAP