A Corte de Apelações de Paris inicia na segunda-feira o julgamento, que deve durar três dias, do recurso impetrado pelo deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) contra sua condenação, em outubro de 2015, por crime de lavagem de dinheiro na França entre 1996 e 2003.
Os fundos, segundo a Justiça francesa, são provenientes de desvio de dinheiro público no Brasil. No início de fevereiro, a Corte de Apelações rejeitou o pedido da defesa de Maluf para suspender os mandados de prisão contra ele, sua mulher e seu filho até o julgamento do mérito do recurso.
Maluf e seu filho Flávio foram condenados pela 11ª Câmara do Tribunal Criminal de Paris a três anos de prisão e multa de 200 mil euros (R$ 650 mil) cada um.
No caso de Sylvia Maluf, mulher do deputado, que era a titular das duas contas bancárias bloqueadas na França, a pena foi mais branda: 2 anos de prisão e multa de 100 mil euros (R$ 325 mil). Todos sempre negaram a prática de crimes.
As contas dela no Crédit Agricole de Paris e no desconhecido Crédit Industriel d’Alsace Lorraine tinham um saldo de 1,8 milhão de euros (R$ 5,9 milhões), confiscados pela Justiça francesa.
Paulo Maluf também possuía uma conta no Crédit Agricole, mas com saldo zerado. A única movimentação havia sido o depósito de um cheque de 70 mil euros (R$ 227 mil) – referente, segundo a defesa de Maluf, a ganhos obtidos em um cassino na Normandia -, transferidos para a conta da mulher no mesmo banco.
‘Lavagem sucessiva’
A Justiça do país europeu afirma que a família Maluf “lavou sucessivamente” na França recursos que totalizam mais de US$ 7 de milhões (R$ 21,6 milhões) entre 1996 e 2003, incluindo uma conta em Paris que não existia mais quando as investigações foram iniciadas.
Maluf foi detido na capital francesa em 24 de julho de 2003 no momento em que tentava transferir o saldo total de Sylvia no Crédit Agricole (1,7 milhão de euros, quase a integralidade dos recursos confiscados) para a conta da empresa ITB na Deutsche Bank em Hamburgo, na Alemanha.
Alertados pelo banco, investigadores de um organismo de luta contra a lavagem de dinheiro foram à agência do Crédit Agricole, na elegante avenida George 5º, munidos de um mandado judicial intimando Maluf a prestar esclarecimentos sobre a origem dos recursos.
A conta de Sylvia no Crédit Agricole em Paris havia sido aberta apenas seis meses antes, em janeiro, e recebido em abril um depósito de quase US$ 1,5 milhão da Fundação Blackbird, criada pelo filho Flávio e sediada em Liechtenstein (conhecido paraíso fiscal europeu).
A transferência para a França foi feita por meio da conta dessa fundação no banco Baring em Genebra, na Suíça.
Maluf afirmou na época que os recursos eram provenientes da venda de um terreno familiar em São Paulo e também de joias de sua mulher, realizada no Líbano.
“Mandei esse dinheirinho lá sabe para quê? Minha mulher é um exemplo de mulher. Somos casados há 60 anos. E ela gosta de fazer comprinhas, é isso. Mandei aquilo para lá para ajudar a balança comercial francesa. E eles querem roubar meu dinheiro! Pode publicar isso”, disse Maluf à BBC Brasil em abril do ano passado ao comentar a condenação em primeira instância na França.
A decisão considerou que o crime de lavagem de dinheiro teve o fator agravante de ter sido cometido em bando.
‘Circuito opaco’
Na sentença de 2015, de quase 60 páginas, a Justiça francesa afirma que Maluf utilizou um “circuito complexo e opaco implementado para dissimular os fundos provenientes de delitos cometidos no Brasil”.
Para os juízes, o crime de lavagem de dinheiro foi cometido em vários outros lugares além da França – entre eles, Luxemburgo, Suíça, Ilhas Cayman, Estados Unidos e Reino Unido.
As investigações na França, realizadas com a cooperação de países como o Brasil, Liechtenstein e Suíça, apontam um emaranhado de transferências bancárias.
A conta na Suíça da Fundação Blackbird, de onde foi transferido US$ 1,4 milhão para o Crédit Agricole na França, havia recebido apenas dois depósitos, de Bahamas e das Ilhas Cayman, que correspondiam integralmente, somados os rendimentos, aos recursos enviados a Paris.
Segundo a Justiça francesa, Sylvia Maluf foi titular nos anos 90 de outra conta em Paris, encerrada em 2000, antes das investigações.
Nessa conta no Morgan Guaranty Trust Company (hoje JP Morgan Chase Bank), investigadores identificaram a origem de dois depósitos totalizando US$ 5 milhões, realizados a partir da Suíça e das Bahamas. Sabe-se que 1,6 milhão de euros foi sacado em dinheiro.
Segundo os investigadores, cerca de 2,9 milhões de euros foram transferidos de Paris para uma conta de Sylvia em Luxemburgo, de onde saíram posteriormente 450 mil euros que voltaram à França, depositados no Crédit Industriel d’Alsace et Lorraine.
Evasão fiscal
Em entrevista à BBC Brasil, o advogado de Maluf na França, Antoine Korkmaz, afirmou que irá basear sua defesa no fato de que o Ministério Público Federal brasileiro abandonou, em 2009, as acusações de lavagem de dinheiro referente às contas existentes na França.
A Procuradoria requalificou a acusação em crime de evasão fiscal.
“O não cumprimento das regras de controle de câmbio é a única infração levada em conta pelo Ministério Público Federal do Brasil nesse caso. Ele concluiu que não há ativos ilegais” avalia Korkmaz.
“Se os fundos não são ilícitos, não pode haver lavagem de dinheiro”, completa.
Segundo ele, o STF (Supremo Tribunal Federal) não contestou a posição da Procuradoria de abandonar as acusações de lavagem de dinheiro em contas na França.
Korkmaz diz que as investigações no país europeu foram “incompletas” e ressalta que o Brasil já verificou a origem dos recursos transferidos à França.
“O dinheiro era para os gastos de férias da família”, acrescenta Korkmaz, que afirmar não entender a “tenacidade das autoridades francesas contra Maluf”.
Caso obtenha decisão favorável no julgamento do recurso, Korkmaz diz que poderá entrar com uma ação de indenização pelos danos sofridos pela família Maluf com a condenação em primeira instância.
Cabe recurso à decisão da Corte de Apelações, analisado pela Corte de Cassação, a mais alta instância da Justiça francesa (o Conselho Constitucional francês zela pelo respeito de leis e regulamentos à Constituição, não julga crimes).
Mas não é tão simples nem automático entrar com um recurso na Corte de Cassação: é preciso provar que houve violação do direito ou de regras processuais nos julgamentos anteriores. Caso contrário, ele nem é avaliado.
Caso a corte decida julgar o recurso, ela poderá manter a decisão anterior, mudá-la parcialmente ou totalmente.
O dossiê de Maluf tem 35 volumes e milhares de páginas, segundo seu advogado.
// BBC