O brasileiro paga caro por energia elétrica, por uma banda larga de baixa qualidade, tem acesso precário a saneamento e um sistema de transportes insuficiente para conectar um território de dimensões continentais.
A deficiência de infraestrutura básica no país é tão grave que, mesmo que se investisse o dobro do volume de recursos destinados a esses setores nos últimos 15 anos, seriam necessários mais 25 anos para que os serviços tivessem um “mínimo de qualidade”.
O cálculo, feito pela consultoria Oliver Wyman e parte de um estudo divulgado nesta sexta-feira (25), compara o Brasil com seus vizinhos na América Latina e com seus pares emergentes, como Índia e China.
Para ter um padrão de serviços básicos semelhante ao desses países, o investimento precisaria saltar da média anual de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) registrada entre 2001 e 2016 para 4% do PIB por um quarto de século.
No caso dos transportes, a conta inclui a necessidade de investimentos em ferrovias, um caminho para reduzir a dependência do país de rodovias e de diminuir sua vulnerabilidade em momentos como o atual, quando a categoria dos caminhoneiros decide entrar em greve.
Dos quatro setores avaliados pelo estudo – transporte, saneamento, energia e telecomunicações -, o primeiro está em pior situação. Hoje, o montante de recursos que o país tem investido (o “estoque de capital”) em infraestrutura nessa categoria chega a 12% do PIB, menos da metade do que precisaria, 26% – o pior deficit registrado pelo levantamento.
“Nós fizemos uma opção pelo modal rodoviário, o mais caro de todos, que demanda alto investimento inicial e tem alto custo de manutenção“, critica Ana Carla Abrão, sócia da consultoria no Brasil e ex-secretária de Fazenda do Estado de Goiás.
A economista lembra que há uma série de obras importantes de ferrovias paradas, com o exemplo emblemático da Norte-Sul, que há mais de 30 anos foi pensada como um eixo de interligação das principais malhas ferroviárias das cinco regiões do Brasil e que nunca foi concluída.
As obras do primeiro trecho, entre as cidades maranhenses de Açailândia e Porto Franco, começaram em 1987, no governo Sarney, e foram concluídas apenas nove anos depois, em 1996, durante o governo Fernando Henrique Cardoso.
Com outras inaugurações esparsas nos anos 2000, a ferrovia atingiu pouco mais de 1,5 mil km, um terço do projeto inicial.
“Existem iniciativas (para diversificar a matriz de transportes), mas elas esbarram nos mesmos problemas que dificultam o avanço da infraestrutura como um todo”, ela afirma.
Quando comparado com Estados Unidos e China, países de tamanho similar, o resultado revela uma drástica situação. Os EUA têm cerca de 200 vezes mais estradas pavimentadas do que o Brasil e a rede ferroviária brasileira tem apenas 10% do tamanho da dos dois países.
Por que o país investe pouco em infraestrutura?
De um lado, falta planejamento do Estado. De outro, o ambiente regulatório frágil gera uma série de inseguranças jurídicas para as empresas e criam riscos excessivos que acabam afastando o setor privado.
No primeiro caso, o estudo faz uma retrospectiva dos últimos dez anos dos grandes programas voltados para infraestrutura. Entre os Programas de Aceleração do Crescimento (PAC) 1 e 2, o Programa de Investimento em Logística (PIL) 1 e 2 e o Crescer – este último criado na gestão Temer -, os resultados ficaram muito longe do prometido.
De forma geral, ressalta Ana Carla, esse é um ciclo que se repete a cada quatro ou oito anos no Brasil porque os programas têm baixa priorização – tentam atuar em muitas frentes ao mesmo tempo, quando deveriam focar nos problemas mais urgentes -, alteraram suas prioridades ao longo do tempo e dificilmente têm continuidade.
“O Estado brasileiro perdeu capacidade de fazer planejamento de longo prazo.”
No campo privado, os riscos envolvidos nos projetos de infraestrutura – que em geral envolvem um volume grande de recursos e têm longo prazo de maturidade – criam um desincentivo às empresas que poderiam se envolver nos projetos.
As agências reguladoras, por exemplo, não raro são chefiadas por indicações políticas, e não por quadros técnicos – e podem ser mais suscetíveis, portanto, a pressões de grupos organizados.
A etapa de licenciamento ambiental, por sua vez, envolve órgãos federais, estaduais e municipais. Cada um deles define condicionantes para a execução dos projetos, mas, como a lei não determina exatamente o que está dentro do mandato de cada uma, muitas vezes órgãos distintos – e com poder de veto – se manifestam de forma diferente sobre o mesmo assunto.
Para contornar essas falhas de mercado e atrair as empresas, os governos no decorrer dos últimos 30 anos lançaram mão de uma série de estímulos, como taxas de juros subsidiadas.
Contudo, devido à situação precária das contas públicas, essa tem sido cada vez menos uma opção. Desde 2014, o governo gasta mais do que arrecada e os gastos com investimentos têm despencado gradativamente.
O que dá para fazer?
Para Ana Carla, um dos caminhos seria criar condições para que o setor privado possa participar mais dos projetos, melhorando o ambiente de negócios e as possibilidades de financiamento.
No contexto regulatório, o levantamento destaca quatro pontos críticos: o modelo de contratação, o licenciamento socioambiental, o papel das agências reguladoras e a responsabilização civil dos servidores públicos, que são desincentivados a tomar decisões porque, em caso de problemas com a Justiça, muitas vezes o ônus recai sobre eles, e não sobre o governo.
No primeiro e no último casos, a economista destaca que já há algumas iniciativas em curso, como a revisão da lei 8.666, de licitações e contratos, e, em relação à responsabilização dos servidores, a lei 13.665, promulgada neste ano.
O estudo recomenda ainda diversificar os instrumentos financeiros voltados para a infraestrutura, com maior participação do mercado de capitais, para elevar o volume de recursos disponível para os projetos.
Nesse universo estão incluídas as debêntures – que o governo tentou incentivar através do BNDES, mas que não decolaram -, e a securitização de fluxo de caixa – a emissão de títulos vinculados à receita dos projetos.
Ciberia // BBC