As terríveis preocupações que surgiram em torno das origens do enorme suprimento de órgãos humanos para transplante na China foram confirmadas.
Um tribunal independente estabelecido para investigar alegações de extração forçada de órgãos determinou que uma campanha governamental de abusos de direitos humanos é a principal fonte do estoque abundante de partes do corpo para procedimentos de transplante no país.
Depois de meses considerando depoimentos de testemunhas e uma enorme quantidade de provas documentais, o “Tribunal da China” – uma organização liderada por advogados, especialistas em direitos humanos e um cirurgião de transplante – disse que estava claro que os números oficiais sobre transplantes na China não podiam estar corretos.
Tempos de espera excepcionalmente curtos, de apenas algumas semanas ou menos em alguns casos, para procedimentos de transplante são frequentes na China, sugerindo um excedente de órgãos compatíveis. E de onde vêm as partes corporais abundantes?
Um estudo constatou que, em um período de 10 dias em 2016, 640 órgãos foram transplantados, embora apenas 30 doadores tenham sido listados oficialmente, o que sugere que cada doador teria dado em média mais de 21 partes do corpo.
Apesar das afirmações governamentais de que a China não pratica mais a remoção de partes do corpo de prisioneiros executados há anos, o tribunal determinou unanimemente que a extração de órgãos de prisioneiros e dissidentes continua sendo uma prática condenável na região.
“A conclusão mostra que muitas pessoas morreram indescritivelmente sem razão, e que mais podem sofrer de maneira semelhante”, disse Sir Geoffrey Nice QC, enquanto proferiu o julgamento final do painel. “Não há evidências de que a prática tenha sido interrompida e o tribunal está convencido de que ela continua”.
Horrores políticos
Os dados levaram pesquisadores a concluir que centenas de artigos científicos chineses podem estar comprometidos devido à sua dependência de milhares de órgãos que não tiveram uma origem eticamente responsável. No contexto, porém, os custos humanos por si só superam quaisquer implicações secundárias, científicas ou não.
Enver Tohti, ex-cirurgião chinês que prestou depoimento nas audiências, contou como recebeu ordens para “cortar o peito e trabalhar rápido” enquanto prestava serviços em um local de execução no noroeste da China.
Ao extrair o fígado e os rins de uma vítima executada que havia sido baleada na cabeça e jogada ao lado de uma estrada, Tohti fez uma descoberta terrível. “Comecei a cortá-lo e então ele começou a se mexer e eu sabia que ele ainda estava vivo, mas estava fraco demais para resistir”, contou Tohti ao The Telegraph.
Relatos como esses convenceram o painel que havia “evidências diretas e indiretas da extração forçada de órgãos”.
Na fronteira do genocídio
Outros médicos chineses prontamente admitiram a investigadores que partes corporais são ilegalmente obtidas a partir de membros de um grupo espiritual perseguido, o Falun Gong. O Falun Gong é uma prática chinesa que combina meditação e exercícios de qigong com uma filosofia moral centrada nos princípios da verdade, compaixão e tolerância.
No final da década de 1990, a relação do Partido Comunista com o crescente movimento do Falun Gong tornou-se cada vez mais tensa. Relatórios de discriminação e vigilância da Secretaria de Segurança Pública começaram a aumentar.
Em sua “inevitável” conclusão final, o Tribunal da China constatou que a extração forçada de órgãos tem sido cometida há anos em toda a China, e que tais órgãos são obtidos principalmente de praticantes detidos do Falun Gong, e possivelmente de uma minoria étnica chamada Uigures também. Outros grupos podem ser alvejados pelo governo.
Não foi possível concluir que o assassinato e a remoção forçada de órgãos desses povos constituem genocídio em sua definição legal, devido à falta de provas da intenção real de cometê-lo. No entanto, o painel condenou as remoções forçadas como um crime contra a humanidade e um ato de “iniquidade inigualável”.
Sem efeito legal
Enquanto a verdadeira escala dos horrores provavelmente nunca será conhecida, o tribunal estima que cerca de 90 mil transplantes de órgãos sejam feitos na China todos os anos, uma indústria que movimenta US$ 1 bilhão anualmente.
Embora a decisão do painel não tenha nenhum efeito legal, pode ajudar a influenciar outros organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas, bem como governos, instituições e empresas que fazem negócios com a China.
“Eu fui promotor por 10 anos. As provas são impressionantes”, disse o defensor de direitos humanos David Kilgour, que testemunhou nas audiências, à rede ABC. “Esse crime não está apenas continuando, nós documentamos que na verdade está piorando. O maquinário que está retirando órgãos do Falun Gong está ficando maior, não menor”.
É possível ler um resumo das descobertas do tribunal independente no site da organização. Os relatórios completos ainda serão divulgados
// HypeScience