Decisão é do ministro Alexandre de Moraes, que acolheu argumento de “desvio de finalidade”. Amigo da família Bolsonaro havia sido nomeado após Sergio Moro acusar presidente de interferência política na corporação.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou nesta quarta-feira (29/04) a suspensão da nomeação do delegado Alexandre Ramagem para o posto de diretor-geral da Polícia Federal.
Ramagem, um amigo da família do Presidente Jair Bolsonaro, havia sido oficialmente indicado para o cargo na terça-feira. Sua posse estava prevista para ocorrer às 15h desta quarta.
A decisão de Moraes atendeu a um pedido de limiar do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Na ação, a legenda apontou que a nomeação revelava “flagrante abuso de poder, na forma de desvio de finalidade” e mencionou acusações do ex-ministro Sergio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro.
Moraes listou os argumentos do partido e destacou que a PF não é um “órgão de inteligência da Presidência”.
“Tais acontecimentos, juntamente com o fato de a Polícia Federal não ser órgão de inteligência da Presidência da República, mas sim exercer, os termos do artigo 144, §1º, VI da Constituição Federal, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União, inclusive em diversas investigações sigilosas, demonstram, em sede de cognição inicial, estarem presentes os requisitos necessários para a concessão da medida liminar pleiteada”, escreveu Moraes.
Antes de ser nomeado para a PF, Ramagem ocupava o cargo de diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ele é amigo dos filhos do Presidente, especialmente do vereador Carlos Bolsonaro. A própria nomeação para a chefia da Abin foi atribuída a sua proximidade com Carlos.
A escolha para a PF de uma figura tão próxima do clã Bolsonaro havia provocado críticas no meio político, judiciário e policial. Partidos já haviam avisado que fariam uma ofensiva judicial para barrar a nomeação, acusando o Presidente de agir para blindar seu clã. Até mesmo assessores do Planalto haviam advertido o presidente sobre o potencial desgaste de uma enxurrada de ações na Justiça contra a nomeação de Ramagem.
O delegado deveria substituir Maurício Valeixo, que foi exonerado na semana passada por Bolsonaro. O episódio levou à saída do ex-juiz Sergio Moro do Ministério da Justiça. Ao deixar o cargo, Moro acusou o presidente de interferência política na PF.
O Presidente não vinha escondendo que estava insatisfeito com a corporação e especialmente com Valeixo, homem de confiança de Moro, que atuou no Paraná com o então juiz durante a Operação Lava Jato.
A tensão já havia começado no ano passado, mas se intensificou nas últimas semanas quando a PF passou a investigar deputados bolsonaristas envolvidos na convocação de manifestações anticonstitucionais e figuras suspeitas de coordenar uma rede de fake news, entre elas um dos filhos do presidente, o vereador Carlos.
Ao deixar o cargo, Moro revelou uma troca de mensagens na qual o Presidente Bolsonaro cobrava uma troca do comando da Polícia Federal após citar uma investigação envolvendo aliados do governo.
O diálogo, segundo Moro, na semana passada, por meio do aplicativo Whatsapp. Uma reprodução mostra que o Presidente enviou o link de uma reportagem do site O Antagonista que apontava que a Polícia Federal está “na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas”. O texto aborda o inquérito das “fake news” que corre no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Mais um motivo para a troca”, escreveu Bolsonaro em seguida, segundo o material divulgado por Moro, em referência a uma eventual troca do director-geral da corporação. As acusações de Moro já renderam a abertura de um inquérito no STF.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, os investigadores da PF não têm dúvidas de que a decisão do Presidente Bolsonaro de exonerar o Valeixo e pressionar o Ministério da Justiça a substitui-lo por um nome mais dócil aos interesses do Planalto está ligada às conclusões do inquérito. De acordo com a Folha, além de identificar Carlos, a PF investiga a participação de outro filho do Presidente, Eduardo Bolsonaro, no esquema de fake news.
As suspeitas de uma eventual ligação de Carlos com grupos difusores de notícias falsas já remonta ao final do ano passado. Em dezembro, em depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-líder do governo no Congresso, denunciou um esquema de propagação de notícias falsas que funcionaria na sede da Presidência. Segundo ela, os mentores da rede são Carlos e Eduardo.
“Qualquer pessoa que eventualmente discorde [da família Bolsonaro] entra como inimigo da milícia”, disse, acrescentando que o grupo atua com uma estratégia bem definida e organizada, começando com uma lista de pessoas consideradas “traidoras” e que são escolhidas como alvo dos ataques cibernéticos.
O último “traidor” das redes de difusão bolsonaristas parece ser o próprio Moro. No mesmo dia da sua saída do governo, essas redes passaram a acusar o ex-ministro de ser “a favor do aborto”, “de trair Bolsonaro”, de ser “um tucano disfarçado” e até mesmo de ter sido leniente com a criminalidade.
Ao longo do ano passado, a artilharia dessas redes já havia mirado outras figuras que ocuparam ministérios, como o general Santos Cruz e o cacique partidário Gustavo Bebianno, além de desafetos do Planalto, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Jornalistas que publicam matérias críticas ao governo também costumam entrar na mira dessa máquina de propagação de boatos e ataques, que foi apelidada de “Gabinete do Ódio”.
O mesmo grupo de delegados responsável pelo inquérito das fake news também conduz a investigação aberta na semana passada pelo STF para apurar os protestos anticonstitucionais que pedem o fechamento do Congresso.
O inquérito foi aberto a pedido da Procuradoria-Geral da República após mais uma manifestação no dia 19 de abril. A concentração de Brasília chegou a contar com a participação do Presidente, que no ano passado também convocou manifestantes para um protesto similar.
Em meio às investidas do Planalto na semana passada para barrar as investigações, Moraes, do STF, já havia determinado que os delegados do caso não podem ser substituídos, como forma de blindar as apurações
No último domingo, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal divulgou uma carta aberta ao presidente Bolsonaro pedindo autonomia financeira para a PF e com críticas à interferência do chefe de governo no comando da entidade.
A associação afirmou que havia uma “crise de confiança” na indicação do novo diretor-geral e também reivindica que o presidente se comprometesse publicamente a garantir “total autonomia” ao novo chefe do órgão, argumentando que tais medidas iriam contribuir para a “dissipação de dúvidas” sobre as intenções de Bolsonaro quanto à PF.
No ano passado, Bolsonaro também já havia atuado para remover um superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, quando uma investigação da corporação se aproximou de um amigo do presidente, o deputado Hélio Lopes (PSL-RJ). A PF do Rio também tocava um inquérito envolvendo suspeitas de aumento patrimonial de outro filho do presidente, o senador Flávio.