O presidente Jair Bolsonaro contrariou uma nota oficial divulgada pela Advocacia-Geral da União (AGU), segundo a qual o governo não iria recorrer da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal.
Nesta quarta-feira (29/04), Bolsonaro disse a jornalistas e apoiadores na entrada do Palácio do Alvorada que pretende recorrer da decisão tomada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Horas após a decisão de Moraes, o governo havia tornado sem efeito a indicação de Ramagem. Mais tarde, ao comentar a nota da AGU, Bolsonaro disse que recorrer da decisão do STF é “um dever do órgão”.
Caso isso ocorra, o caso deve seguir para análise dos 11 ministros do Supremo.
“Eu quero o Ramagem lá. É uma ingerência, né? Vamos fazer tudo para o Ramagem. Se não for, vai chegar a hora dele, e vamos colocar outra pessoa”, disse Bolsonaro, citado pelo portal de notícias G1. “Quem manda sou eu”, ressaltou.
Também, nesta quarta-feira, durante a cerimônia de posse do novo ministro da Justiça, André de Almeida Mendonça, Bolsonaro disse que Ramagem seria empossado no cargo “em breve”. Ao discursar, ele afirmou que respeita o Judiciário e ressaltou a independência entre os três Poderes.
“Respeito o Judiciário, respeito suas decisões, mas nós, antes de tudo, respeitamos a nossa Constituição”, afirmou, acrescentando que Ramagem foi impedido de tomar posse por uma “decisão monocrática de um ministro do STF”.
“Tenho certeza que esse sonho meu, mais dele, brevemente se concretizará para o bem da nossa Polícia Federal e do nosso Brasil”, declarou o presidente. “Uma das posições importantes, que quem nomeia sou eu, é a do diretor-geral da Polícia Federal.”
Ligações próximas ao clã Bolsonaro
Ramagem, um amigo da família do presidente Jair Bolsonaro, havia sido oficialmente indicado para o cargo na terça-feira. Sua posse estava prevista para ocorrer às 15h desta quarta. A decisão de Moraes atendeu a um pedido de liminar do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Na ação, a legenda apontou que a nomeação revelava “flagrante abuso de poder, na forma de desvio de finalidade” e mencionou acusações do ex-ministro Sergio Moro contra o presidente.
Moraes listou os argumentos do partido e destacou que a PF não é um “órgão de inteligência da Presidência”. “Tais acontecimentos, juntamente com o fato de a Polícia Federal não ser órgão de inteligência da Presidência da República, mas sim exercer, os termos do artigo 144, §1º, VI da Constituição Federal, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União, inclusive em diversas investigações sigilosas, demonstram, em sede de cognição inicial, estarem presentes os requisitos necessários para a concessão da medida liminar pleiteada”, escreveu Moraes.
Antes de ser nomeado para a PF, Ramagem ocupava o cargo de diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ele é amigo dos filhos do presidente, especialmente do vereador Carlos Bolsonaro. A própria nomeação para a chefia da Abin foi atribuída a sua proximidade com Carlos.
A escolha para a PF de uma figura tão próxima do clã Bolsonaro havia provocado críticas no meio político, judiciário e policial. Partidos já haviam avisado que fariam uma ofensiva judicial para barrar a nomeação, acusando o presidente de agir para blindar seu clã. Até mesmo assessores do Planalto haviam advertido o presidente sobre o potencial desgaste de uma enxurrada de ações na Justiça contra a nomeação de Ramagem.
O delegado deveria substituir Maurício Valeixo, que foi exonerado na semana passada por Bolsonaro. O episódio levou à saída do ex-juiz Sergio Moro do Ministério da Justiça. Ao deixar o cargo, Moro acusou o presidente de interferência política na PF.
O presidente não vinha escondendo que estava insatisfeito com a corporação e especialmente com Valeixo, homem de confiança de Moro, que atuou no Paraná com o então juiz durante a Operação Lava Jato.
A tensão já havia começado no ano passado, mas se intensificou nas últimas semanas quando a PF passou a investigar deputados bolsonaristas envolvidos na convocação de manifestações anticonstitucionais e figuras suspeitas de coordenar uma rede de fake news, entre elas um dos filhos do presidente, o vereador Carlos.
Ao deixar o cargo, Moro revelou uma troca de mensagens na qual o presidente Bolsonaro cobrava uma troca do comando da Polícia Federal após citar uma investigação envolvendo aliados do governo.