Na Alemanha, 2021 marcará uma ruptura. Pela primeira vez em 16 anos, o rosto de Angela Merkel não aparecerá nos cartazes para as eleições marcadas para setembro de 2021, já que a chanceler não está concorrendo à reeleição. Com sua partida, se anuncia o fim de um certo estilo e prática de poder.
Discrição, proximidade, colegialidade: esses são os ingredientes do sucesso de Angela Merkel na Alemanha. A colegialidade é uma regra neste país tão descentralizado, mas a chanceler sempre fez questão de consultar e reunir, mesmo que isso signifique perda de tempo na tomada de decisões.
Discrição e proximidade são as chaves essenciais para sua popularidade excepcional. Figura política favorita dos alemães, com mais de 70% de opiniões positivas em média nas várias pesquisas de opinião, Merkel faz suas próprias compras, sai de férias em quartos de hotel a 50 € a diária, e responde até mesmo às perguntas mais cotidianas, quase triviais.
Em um programa de TV, algumas semanas atrás, um apresentador perguntou a ela: “O que você usa como tecnologia inteligente em casa? Sua máquina de lavar?“. Um leve sorriso roça o rosto da chanceler, que responde: “É o meu marido que cuida da roupa”. A líder mais experiente da Europa também é especialista em driblar situações que cheiram ao sexismo.
Em agosto de 2020, durante sua tradicional entrevista coletiva de volta às aulas, uma jornalista perguntou se era verdade que “o embaixador dos Estados Unidos na Alemanha disse que Donald Trump lhe teria literalmente encantado”.
Mais uma vez, o início de um sorriso surge no canto dos lábios da chanceler, que tem prazer em fingir ignorância e pergunta, semicerrando os olhos: “Ele me teria o quê?”. “Encantado”, teve de insistir a jornalista, sob risos que começaram a escapar na sala de imprensa. “Você sabe muito bem que nunca comento trocas diplomáticas”, disse ela, muito séria.
A sucessão falhou?
O estilo de Merkel e seu modo de governo durante estes 15 anos, entretanto, não impressionaram a vida política alemã: nenhum dos candidatos à sua sucessão se inspirou nela.
Angela Merkel, que se impôs a um Helmut Kohl que lhe apelidava de maneira paternalista de “das Mädchen” (“a moça”), ainda assim tentou colocar as figuras femininas em primeiro plano. Em primeiro lugar, a atual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, há alguns anos. E, mais recentemente, Annegret Kramp Karrenbauer. Mas sua ministra da Defesa e segunda opção rapidamente jogou a toalha, depois de uma eleição europeia catastrófica, e entregou as chaves para seu partido, o CDU.
Três candidatos competem agora pela liderança da legenda: três homens do Ocidente, com mais de 50 anos e pais de família, como se a era Angela Merkel fosse apenas um parêntese.
O mais popular entre os apoiadores continua sendo Friedrich Merz, um velho inimigo da chanceler, mesmo se ela o demitiu no início dos anos 2000. Sua nomeação seria uma forma de fracasso político para Angela Merkel e marcaria o cenário político.
Como destaca Hans Stark, pesquisador e assessor para as relações franco-alemãs do Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI), Merkel “sempre liderou campanhas resolutamente centristas, buscando o apoio das populações urbanas, graduados e mulheres.
E este não é o caso de Merz, que é alguém muito conservador e que francamente me lembra os anos Helmut Kohl. Ele não é populista, mas não tem aquela abertura, aquela visão social moderna de Angela Merkel. Ainda assim, foi ela quem abriu caminho para o casamento entre pessoas do mesmo sexo, dizendo que ela mesma iria votar contra, mas que sentia que precisava ser aprovado”.
Reformas importantes
Seu “Não vou votar neste projeto (de lei), mas você deve fazê-lo” é um clássico do método de Merkel: busca de equilíbrio e compromisso, mas que também significa falta de ousadia, segundo seus críticos.
Na realidade, ela pode contar com relativamente poucas reformas importantes no cenário alemão durante seu mandato. Mesmo que o anúncio da desativação das usinas nucleares no país, em 2011, após o desastre de Fukushima, permaneça na mente de todos. Ou o plano de recuperação europeu, lançado nesta primavera com Emmanuel Macron – este último implica o princípio da europeização das dívidas públicas, um tabu até agora na Alemanha e especialmente em seu próprio partido.
A chanceler, porém, desrespeitou um princípio: a lealdade aos Estados Unidos, até então intangível em seu país. Longe de ser uma iniciativa ou uma conversão à ideia francesa de soberania europeia, é mais simplesmente uma reação ao mandato de Donald Trump.
“Ela se mostrou um polo à parte de Donald Trump e isso desde o início de sua presidência, em 2016, quando disse que hoje a Europa não pode mais confiar em seu aliado americano tanto quanto no passado”, sublinha Hans Stark. “Ela não deixou claro se a confiança foi quebrada, mas a colocou em parênteses. Merkel figurou, nos anos 2016-2020, como o oposto de Trump em termos de lealdade ao multilateralismo e uma abordagem consensual às relações internacionais”.
Refugiados
Podemos considerá-la consensual, mas capaz de fazer o que acha que precisa ser feito sozinha. Foi sem avisar seus parceiros europeus ou consultar seu país que Angela Merkel decidiu, em 2015, acolher refugiados de uma forma sem precedentes.
Foi muito criticada e isso significou uma difícil campanha para sua reeleição em 2017: segundo especialistas, também permitiu ao partido de extrema direita AfD alçar voo e entrar no Bundestag como terceira força política do país.
Para as centenas de milhares de pessoas acolhidas, a Alemanha ainda hoje se confunde com sua chanceler. Quando anunciou sua aposentadoria ao final de seu mandato, em 2018, um blogueiro refugiado sírio resumiu seu sentimento: “A Alemanha sem Merkel é como pão sem manteiga. ”
// RFI