O embaixador brasileiro na União Europeia, Marcos Galvão, pediu nesta quinta-feira “vacinas, vacinas e vacinas” para tirar o Brasil “da situação desastrosa” em que se encontra. Durante audiência com deputados do Parlamento Europeu, em Bruxelas, o representante do Brasil ouviu que o presidente Jair Bolsonaro deve ser responsabilizado por omissão na gestão da epidemia de Covid-19 e por sua “necropolítica” vergonhosa.
Os recordes de mortes pelo coronavírus e o colapso iminente do sistema de saúde no país dominaram a agenda da audiência entre o chefe da Missão do Brasil junto à UE, Marcos Galvão, a delegação do Parlamento Europeu para relações com o Brasil e eurodeputados. O país registra mais de 361 mil mortes e cerca de 13,7 milhões de casos desde o início da pandemia.
“Neste momento, nossa situação humanitária e nossas prioridades são as vacinas, vacinas e vacinas, e não há outra maneira de sair desta situação desastrosa”, ressaltou o embaixador brasileiro ao solicitar “o apoio decisivo do Parlamento Europeu neste desafio para salvar a vida de milhares no Brasil e milhões no mundo.”
Participaram também da reunião a chefe da Divisão para a América do Sul do Serviço Europeu para a Ação Externa, Veronique Lorenzo, a representante da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) no Brasil, Socorro Gross Galiano, e a diretora de programas da ONG brasileira de direitos humanos Conectas, Camila Asano, entre outros.
Em entrevista para a RFI, a eurodeputada alemã pelo Partido Verde/Aliança Livre Europeia, Anna Cavazzini, vice-presidente da Delegação do Parlamento Europeu para Relações com o Brasil, afirmou “o que está acontecendo no Brasil não é apenas uma tragédia, isso foi provocado por decisões deliberadas do governo Bolsonaro“.
“Os dirigentes brasileiros devem ser responsabilizados pelos seus fracassos em responderem adequadamente à crise da Covid-19”, defendeu a eurodeputada. “Por muito tempo, o atual governo subestimou o vírus e recusou adotar medidas apoiadas pela ciência, como o distanciamento social, o uso da máscara e confinamento”, martelou.
Segundo Cavazzini, “Nós devemos respeitar os processos nacionais: o Senado brasileiro está prestes a lançar uma investigação sobre a atuação do governo na pandemia”.
Antes do início da audiência pública desta quinta-feira, a eurodeputada dizia esperar que seus colegas no Parlamento Europeu “questionassem criticamente o governo brasileiro até porque a crise de saúde se tornou uma crise social com milhões de desempregados e a fome explodiu no país”.
Ela é favorável a que o legislativo do bloco “se posicione sobre medidas concretas para abordar a crise sanitária e social no Brasil, principalmente quando se trata da proteção dos povos indígenas”.
Os eurodeputados querem saber
As críticas sobre a responsabilidade do governo Bolsonaro pelo elevado número de mortos por Covid-19 continuaram com intervenções dos eurodeputados que também questionaram o emprego de verbas enviadas pela UE ao Brasil.
“Onde está sendo empregado todo o dinheiro que o governo brasileiro recebeu da cooperação internacional?”, indagou a deputada espanhola Clara Aguilera, da aliança Socialistas e Democratas do Parlamento Europeu.
Já o deputado espanhol Miguel Urbán Crespo, cofundador do partido de esquerda Podemos, enfatizou que “por omissão, a necropolítica de Bolsonaro significa um crime lesa-pátria contra o povo brasileiro”. Urbán Crespo lembrou que o Brasil é agora o epicentro da pandemia e o ritmo de vacinação é dez vezes inferior à capacidade do país.
“Esta crise não é apenas sanitária, tem também causas políticas. E no Brasil estas causas tem um nome e o responsável é o governo de Bolsonaro. Em vez de declarar guerra à pobreza, Bolsonaro declarou guerra aos pobres. E em vez de declarar guerra ao vírus, Bolsonaro declarou guerra à ciência, à medicina, ao senso comum e à vida”, concluiu.
“Acabamos de saber que Bolsonaro aprovou um projeto de lei que permite às empresas privadas negociar diretamente com as farmacêuticas a compra de vacinas. É uma estratégia clássica neoliberal de deixar morrer os serviços públicos para depois apresentar o mercado como única solução de emergência diante da crise. E isso aumentará o preço das vacinas que são vistas como mercadorias, e não como direito humano, que é o que deveriam ser. Mais lucros para poucos, mais mortes e sofrimento para milhões”, disse Urbán Crespo. Em seguida, o espanhol questionou: “Como a União Europeia se permite continuar a negociar com o Mercosul, com o sr. Bolsonaro? É uma autêntica vergonha.”
“Deixemos a política para depois”
Ao responder às críticas dos eurodeputados, o embaixador Marcos Galvão falou que “tendo em vista a direção que o debate assumiu, deveríamos recordar que no meu caso eu sou funcionário público em uma democracia. Não vou debruçar sobre a questão da responsabilidade. Nós temos instituições no Brasil que são fortes e capazes de examinar o que aconteceu durante este período, e não cabe a mim fazê-lo. O contribuinte nacional me paga para que eu procure apoio internacional e ajuda, e essa é minha missão”.
No Parlamento Europeu, o diplomata brasileiro falou que “o importante é que estamos a falar de vida. Deixemos a política para depois. Não vamos resolver, não vamos salvar vidas hoje à noite ou na próxima semana, se entrarmos em um debate que já acontece e que continuará a acontecer”. Segundo Galvão, sua missão é pedir ajuda para que “a União Europeia use sua influência política para socorrer o Brasil”.
Outro depoimento ouvido na audiência foi da diretora de programas da ONG brasileira de direitos humanos, Camila Asano. Falando de São Paulo, ela disse que “o governo brasileiro está desinvestindo no orçamento público para a saúde”.
“O presidente Bolsonaro tenta minimizar a importância da pandemia, disseminando fake news, e isso tem um impacto gravíssimo para a população do país”, acrescentou. Para Asano, “não estamos mais vivendo em uma situação de normalidade democrática”.
// RFI