Em CPI, Pazuello poupa Bolsonaro e diz que tinha autonomia

José Dias / wikimedia

Eduardo Pazuello

Ex-ministro da Saúde repete argumentos já desmentidos, defende gestão marcada por explosão de mortes e afirma que nunca foi pressionado pelo presidente para promover cloroquina e cancelar compra da Coronavac.

Em depoimento à CPI da Pandemia no Senado nesta quarta-feira (19/05), o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello adotou uma postura combativa, defendendo sua gestão à frente da pasta, que foi marcada por uma explosão de casos e mortes de covid-19, pela promoção de drogas ineficazes contra a doença e pela lentidão na aquisição de vacinas.

Pazuello tentou poupar Jair Bolsonaro, afirmando que o Presidente não lhe impôs condições para assumir o cargo, como a adoção da cloroquina como medicamento contra a covid-19, e ainda disse que “nunca teve decisões contrapostas” pelo chefe do Executivo.

O general ainda repetiu argumentos bolsonaristas já desacreditados, como o de que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria retirado poder do governo para combate à pandemia. Sem apresentar provas, Pazuello ainda negou ter ignorado propostas do laboratório Pfizer para a aquisição de vacinas no segundo semestre de 2020, apesar de a própria empresa apontar que ficou meses sem resposta.

A sessão acabou sendo suspensa pouco depois das 17h, sem retornar de um intervalo. Durante a pausa, o ex-ministro se sentiu mal e foi atendido pelo senador Otto Alencar, que é médico. Alencar relatou que o general se recuperou rapidamente.

Pouco depois, o presidente da CPI, Omar Aziz, anunciou que a sessão havia sido suspensa. Ainda havia 23 senadores inscritos para fazer perguntas a Pazuello. A sessão será retomada às 9h30 de quinta-feira.

Ao deixar a sessão, Pazuello negou que tenha passado mal, mesmo com a confirmação do episódio pelo senador Alencar. O perfil oficial do Senado no Twitter também apontou que Pazuello passou mal.

Depoimento

Havia expectativa sobre como seria atitude do general da ativa na sessão. Pazuello comandou o ministério entre maio de 2020 e março deste ano.

Antes do depoimento à comissão, ele chegou a conseguir junto ao Supremo um habeas corpus para assegurar o direito de permanecer calado durante a fase de perguntas, sempre que entendesse que essas pudessem incriminá-lo. O general, no entanto, disse aos senadores que pretendia “responder todas as perguntas”. Pazuello também apareceu em trajes civis, e não de farda.

Em diversos momentos, a sessão foi interrompida por bate-bocas entre Pazuello e os senadores e entre parlamentares da oposição e da base do governo. Como ocorreu em outras sessões delicadas para o governo, o senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente, promoveu tumultos.

No início da sessão, Pazuello leu um discurso preparado previamente no qual contou anedotas biográficas e culpou governos anteriores por eventuais problemas na Saúde, afirmando que o Brasil já sofria com “dois outros vírus”: o da corrupção e o da impunidade.

Ele também tentou minimizar a responsabilidade do governo na pandemia afirmando falsamente que o STF retirou poder do governo – na realidade, o tribunal só determinou que estados e municípios tinham autonomia para determinar medidas de isolamento social no contexto local, e isso não eximia o Planalto de formular uma política nacional. “Missão cumprida” foi como Pazuello resumiu sua gestão.

Quando Pazuello assumiu o ministério, em 16 de maio de 2020, o Brasil acumulava 233 mil casos e 15.633 mortes associadas à covid-19. No dia 15 de março, quando o substituto do general na pasta foi anunciado, o número de casos passava de 11,5 milhões, e o de mortes se aproximava de 280 mil, com o país ocupando o segundo lugar entre as nações com mais óbitos na pandemia.

Contradições

Dando respostas longas, o general caiu diversas vezes em contradição. Ele afirmou que nunca teve “decisões contrapostas pelo presidente”. “Em momento algum o presidente me orientou ou me deu ordem para algo diferente do que eu estava fazendo”, disse Pazuello.

Em outubro, no entanto, o general disse que “um manda e o outro obedece” quando foi desautorizado publicamente por Bolsonaro após a pasta tentar comprar vacinas do Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo – uma negociação que tinha oposição de Bolsonaro, que chamava o imunizante de “vacina chinesa de João Doria”.

Mesmo assim, aos senadores, Pazuello afirmou que nunca recebeu ordem de Bolsonaro para cancelar o negócio, sugerindo que o episódio “um manda e o outro obedece” não passava de uma cena feita para as redes sociais. “É apenas uma posição de internet”, disse.

Pazuello ainda negou que tenha assumido o cargo em maio de 2020 com a orientação de expandir a adoção da cloroquina para o tratamento da covid-19 – estudos já demonstravam a ineficácia da droga contra a doença, mas a cloroquina logo virou uma bandeira de movimentos de extrema direita pelo mundo.

Dois antecessores de Pazuello na pasta, os médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, afirmaram que foram pressionados pelo presidente para promover a droga. Teich, inclusive, apontou que esse foi o principal motivo para a sua saída da pasta. Quatro dias após a saída dele, o ministério, já sob a caneta de Pazuello, publicou um novo protocolo de expansão do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes com covid-19. “Por que ele pressionou seus antecessores e você não?”, perguntou o senador Renan Calheiros.

Aos senadores, Pazuello repetiu o argumento bolsonarista de que só atuou para “dar autonomia aos médicos” para uso da droga. Só que em janeiro o ministério sob sua gestão chegou a lançar um aplicativo que recomendava altas doses de cloroquina até mesmo para bebês. “Nunca recomendei o uso da cloroquina”, disse Pazuello.

Documentos também apontam que sua gestão pressionou o governo do Amazonas a expandir o uso da cloroquina durante a crise do oxigênio em Manaus. O aplicativo da cloroquina também teve um lançamento oficial em Manaus em evento organizado pelo ministério, no qual Pazuello discursou e uma assessora afirmou que a ferramenta já podia ser baixada – mesmo com esse histórico, Pazuello afirmou hoje que apenas uma versão em desenvolvimento foi colocada indevidamente no ar.

O general também afirmou que se sentia “plenamente apto” a assumir a chefia da Saúde, mesmo sem experiência de gestão em saúde ou conhecimentos na área médica. Citando sua experiência como militar, ele disse que questionar a capacidade de generais em gestão e liderança “seria como perguntar se chuva molha”. Em outubro de 2020, o general atraiu críticas negativas ao afirmar num evento que “nem sabia o que era SUS” antes de assumir a titularidade do ministério.

Em diversos momentos, a postura de Pazuello irritou diversos senadores. O general chegou a afirmar que não queria que os parlamentares fizessem “perguntas simplórias”. O presidente da CPI, Omar Aziz, rebateu: “General, o senhor não vai dizer aqui quais perguntas serão feitas pelos senadores.”

Vacinas

Uma das principais marcas da gestão Pazuello foi a aquisição de vacinas suficientes para a população. Entre dezembro e janeiro, Pazuello divulgou números otimistas, mas que acabaram não se traduzindo em doses entregues. Ele ainda forneceu diferentes datas para o início da campanha de imunização, mas, ao final, a campanha só começou graças aos esforços do governo de São Paulo, apesar da oposição do Planalto. “A vacina vai começar no dia D, na hora H no Brasil”, disse, no início de janeiro, numa fala que acabaria simbolizando a falta de organização da sua gestão.

O tema das vacinas gerou embates durante o depoimento de Pazuello. O general afirmou que “dialogou ininterruptamente” com o laboratório americano Pfizer para a compra de vacinas, mas a empresa já afirmou que teve diversas propostas ignoradas pelo ministério no segundo semestre. A acusação também foi feita pelo ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten.

A resposta de Pazuello provocou reação dos senadores. “Então a Pfizer está mentindo?“, perguntou o relator da CPI, Renan Calheiros. O presidente da comissão, Omar Aziz, chegou a sugerir que fosse feita uma acareação entre os responsáveis pelo laboratório e o general. O gerente-geral da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo, já disse que só interagiu pela primeira vez com Pazuello em novembro de 2020, mais de três meses após a Pfizer enviar propostas. Pazuello também não apresentou provas desse “diálogo ininterrupto”. “O que o Fábio Wajngarten disse é totalmente diferente do que o senhor está falando”, disse Aziz a Pazuello.

O ex-ministro ainda afirmou que os preços oferecido pela Pfizer e a quantidade de doses disponibilizadas pela empresa acabaram sendo obstáculos para a negociação. Ele também disse que à época a vacina da Pfizer ainda não tinha aprovação da Anvisa. No entanto, o ministério não teve essas reservas quando comprou doses da vacina indiana Covaxin em fevereiro, que ainda está em testes e é mais cara. A vacina indiana também não foi aprovada pela Anvisa até o momento.

Pazuello também afirmou que o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão que auxilia o Legislativo, havia dado parecer contra o contrato com a Pfizer. Mais tarde, o senador Renan Calheiros afirmou que recebeu informação do TCU dizendo que o tribunal nunca orientou contra a compra de vacina. Pazuello então se desculpou e afirmou que se confundiu: “Era CGU e AGU”, disse, em referência à Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União, que são ligadas ao governo federal.

O general ainda tentou minimizar por que o governo optou por adquirir a cobertura mínima de vacinas do consórcio Covax Facility, lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O governo só adquiriu cobertura de 10%, quando tinha a opção de pedir até 50%. Pazuello afirmou que a iniciativa “começou muito nebulosa” e que o “risco era muito grande”. Ele ainda reclamou do preço.

Falta de oxigênio em Manaus

Em janeiro, com o avanço da doença, a rede hospitalar de Manaus entrou em colapso. Unidades de saúde registraram falta de oxigênio, provocando a morte de dezenas de pacientes por asfixia.

O caso acabou rendendo uma investigação contra Pazuello no STF por suspeita de omissão. O general já apresentou diferentes versões para o caso, dando declarações contraditórias sobre quando a pasta teria tomado conhecimento dos problemas em Manaus.

Pazuello chegou a informar três diferentes datas de quando teria sido informado sobre o fim iminente das reservas de oxigênio. Na primeira versão, apontou que foi em 8 de janeiro. Depois, 17 de janeiro. Aos senadores, ele disse que soube da falta de oxigênio em 10 de janeiro.

“No dia 12 já chegou a primeira aeronave trazendo oxigênio líquido. Quando nós entramos, chegamos com bastante força“, disse Pazuello. Segundo o militar, o fornecimento irregular só “durou três dias”.

“Faltou por mais de 20 dias. Não é possível. É só olhar o número de mortos”, respondeu o senador Eduardo Braga, que representa o Amazonas.

Críticas

As falas de Pazuello foram criticadas por senadores da oposição. O senador Humberto Costa, que já foi ministro da Saúde, disse que o general tinha que pedir desculpas aos brasileiros. Ele ainda rebateu falas de Pazuello. “O senhor defendeu o tratamento precoce muitas vezes”, disse. “Enviaram 47 mil comprimidos [de cloroquina] para Manaus quando se precisava de oxigênio”, citou o senador, em referência à crise no Amazonas.

O presidente da CPI, Omar Aziz, também reclamou das afirmações de Pazuello sobre a crise em Manaus, apontando que documentos do próprio ministério contradizem as falas do general. “Tentar tangenciar as perguntas não será bom para ninguém”, disse Aziz. “Eu acho que não houve ‘missão cumprida’. Nós perdemos todas as batalhas até agora”. “Melhor ele ficar em silêncio do que se comprometer cada vez mais”, disse Aziz em outro momento.

Parece que o senhor está brincando com a cara da gente, o senhor já mentiu demais”, disse a senadora Eliziane Gama, ao apontar contradições de Pazuello na crise de Manaus. Eduardo Braga, por sua vez, criticou Pazuello pelo fato de o general não ter se conduzido negociações com laboratórios – algo confirmado pelo próprio militar, que argumentou que não poderia fazer isso na qualidade de ministro. “Mais de 200 mil pessoas morreram na sua gestão (por Covid-19) e o senhor não estava preocupado com compra de vacinas?”, questionou.

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