Europa: falta de gás e alta dos preços da energia podem impulsionar renováveis no bloco

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A disparada dos preços do gás e da energia na Europa poderão impulsionar o bloco a acelerar a transição energética verde para diminuir a dependência das importações, principalmente da Rússia. Os países europeus buscam uma coordenação para responder à diminuição do fornecimento do produto, em um contexto de aumento da demanda mundial pela retomada econômica da pandemia.

Puxada pela demanda chinesa, o preço do gás se multiplicou por oito em seis meses na Europa e impacta no valor da energia elétrica. A Rússia, tradicional fornecedora, tem exportado a conta-gotas o gás para os europeus.

Os países da União Europeia dispõem de estoques suficientes para atender ao aumento do consumo nos meses frios, mas a situação atual demonstra a necessidade de um planejamento mais estratégico sobre a questão.

De imediato, pacotes fiscais para baixar os preços e auxílio financeiro para os consumidores de baixa renda e pequenas empresas estão sendo lançados em países como Espanha, Itália e França. A médio prazo, soluções como a criação de uma reserva europeia de gás estão sobre a mesa, conforme indicou a comissária europeia de Energia, Kadri Simson, nesta quarta-feira (6). A comissão deve anunciar na semana que vem uma lista de medidas para o bloco “reagir em conjunto” à pressão no mercado energético e “se prevenir de crises futuras”.

A longo prazo, mais investimentos em energia mostram-se uma necessidade para a UE não voltar a ficar à mercê de Moscou, como agora. “Nós devemos ter a consciência da importância geopolítica da energia e desenvolver um viés mais estratégico da política energética externa”, ressaltou Simson.

Acelerar transição energética

É aí que entram as fontes limpas, como eólica e solar, além das de baixo carbono, como a nuclear. A Europa não poderá abandonar o gás tão cedo – ele representa 20% da eletricidade no bloco e, na comparação com o carvão, é menos poluente. Mas a ocasião pode ser um momento-chave para ampliar ainda mais do que se previa de investimentos em renováveis e na eficiência energética. A ideia ganhou força no Parlamento europeu nessa semana, em Estrasburgo.

“Nós não queremos mais as energias fósseis na Europa. Estamos vendo que elas não são boas para os nossos cidadãos, porque não conseguimos controlar os preços. A crise do gas nos mostra que os chineses e outros fazem os preços subir e a Europa fica sem abastecimento”, protestou o eurodeputado centrista Renew Christophe Grudler. “Para que Vladimir Putin não tenha mais a vida dos europeus entre as mãos, só há um meio: sair das energias fosseis. É bom do ponto de vista econômico, afinal essa é uma das causas do aumento dos preços, mas também será muito bom do ponto de vista ecológico”, destacou a eurodeputada Manon Aubry, da esquerda radical.

Para Nicolas Berghmans, pesquisador em políticas climáticas e energéticas do Iddri (Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais, ligado à prestigiosa Sciences Po, em Paris), a situação atual serve de alerta não só para a autonomia energética da Europa, quanto para a velocidade com que a transição de baixo carbono está ocorrendo no bloco. “Isso deve acelerar a implementação das energias renováveis para reduzir as nossas vulnerabilidades e é o que está previsto pela Europa: passar a parcela delas de 32% para 40% na matriz energética europeia em 2030″, explica.

A solução não será simples: será necessário reduzir a demanda de energia no bloco, graças a mais eficiência energética. “É particularmente importante para o gás, que é muito usado nas obras e construções. Teremos de promover a renovação energética – essa será uma das chaves para a solução dessa situação que nós enfrentamos”, ressalta Berghmans.

Instabilidade de eólicas e fotovoltaicas

Entretanto, os caprichos do clima geram dúvidas sobre o melhor caminho a seguir – e a crise atual acabou de provar os riscos. Além da escassez de gás e a tensão no mercado internacional, o verão seco e pouco ventoso neste ano, na Europa, fez com que as eólicas implantadas em países como o Reino Unido não tenham rendido o esperado, pressionando ainda mais os preços.

“O problema das energias renováveis é que elas não são controláveis. Alguns especialistas apontam que devemos ter prudência com o desenvolvimento delas. Nós precisamos manter ou até desenvolver as capacidades ‘adaptáveis’, conforme a curva da demanda. São, concretamente, as centrais nucleares e as hidráulicas, neutras em emissões e que serão a prioridade, na minha opinião, mas também as fósseis, a carvão e gás”, contrapõe Jacques Percebois, especialista em economia da energia e professor emérito da Universidade de Montpellier. “Ter apenas renováveis nos confrontaria a limites – salvo se desenvolvermos capacidades de estocagem exorbitantes.”

Berghmans acredita que a margem para a melhoria da estocagem ainda é vasta – para ele, uma parte do gás poderá, sim, ser substituída por renováveis produzidas na União Europeia. “Mas essa mudança precisará também de mudança no uso final da energia. É pouco provável que cheguemos a volumes de gás de baixo carbono (biogás) nas mesmas proporções do gás fóssil que temos hoje. Por isso, teremos de promover a eletrificação de alguns usos atuais do gás, como é o caso do aquecimento dos prédios”, observa o pesquisador do Iddri, que cita ainda o uso crescente de hidrogênio, particularmente interessante nos transportes.

O professor Percebois, entretanto, não tem muitas dúvidas de que as centrais a gás continuarão essenciais para o equilíbrio da rede europeia, pelo menos nas próximas décadas. “A Rússia é um fornecedora com a qual a Europa sempre pôde contar e que não poderemos deixar de lado, no estado atual das coisas, porque ela responde por quase 40% da demanda”, ressalta Percebois. “A Europa precisa do gás russo, mas se não pudermos contar com ele, a tentação será tentar encontrar outras soluções e diminuir a dependência do gás. Porém, isso será relativamente difícil.”

As discussões em nível europeu também não se anunciam fáceis. França e Espanha, cujas matrizes energéticas repousam sobretudo em usinas nucleares ou fontes renováveis, tentam aproveitar o momento para a adoção de novas políticas no bloco para beneficiar quem já investiu em energias limpas. Mas Alemanha e Holanda, mais dependentes de fontes fósseis, avaliam que o contexto atual é passageiro e apostam que o fornecimento e os preços devem se normalizar no ano que vem.

// RFI

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