A Volkswagen contratou um especialista alemão para examinar se ela permitiu a prisão e tortura de funcionários no Brasil durante a ditadura militar.
O professor Christopher Kopper, da Universidade de Bielefeld, vai pesquisar denúncias de que a montadora alemã colaborou com o governo militar brasileiro, que comandou o país de 1964 a 1985.
Especialista em história empresarial, ele foi contratado em meio a uma polêmica – antes de anunciá-lo, a Volkswagen afastou o historiador responsável por investigar seu passado, inclusive no caso brasileiro.
Em entrevista à BBC, Kopper afirmou que terá total independência para investigar as denúncias contra a empresa que foram citadas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade do Brasil, divulgado no final de 2014.
“É importante checar novamente as críticas da comissão à Volkswagen, pois não se trata somente dos casos de repressão política que se tornaram públicos, mas também se a empresa, de forma geral, lucrou com a ditadura. Irei além do que os historiadores já pesquisaram sobre o tema”, destacou.
O relatório revelou torturas cometidas em uma das fábricas da Volkswagen no Brasil e também indicou que várias empresas repassavam informações e denunciavam funcionários ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops).
Após as revelações da comissão, um grupo de ex-funcionários entrou com uma ação judicial contra a montadora no ano passado, sob a acusação de terem sido presos e torturados em uma fábrica no Brasil.
Essa não é a primeira vez que a Volkswagen precisa reviver seu passado – a empresa já investigou seu próprio papel no uso do trabalho escravo na Alemanha nazista durante a 2ª Guerra Mundial.
A montadora foi criada em 1937 pela Deutsche Arbeitsfront – a organização sindical nazista. Durante a guerra, fez veículos para o exército alemão usando mais de 15 mil trabalhadores escravos, que estavam presos em campos de concentração próximos.
Em 1998, os sobreviventes processaram a Volkswagen, que criou um fundo de restituição.
‘Anos sombrios’
Em um comunicado, a VW disse que o Kopper começará seu trabalho o mais cedo possível.
“Vamos esclarecer o papel da empresa durante a ditadura militar no Brasil com a consistência e perseverança necessárias da mesma maneira que nós nos engajamos para esclarecer os assuntos relacionados com o passado Nacional-Socialismo e o emprego de trabalho forçado”, afirmou Christine Hohmann-Dennhardt, membro do conselho da Volkswagen responsável pela integridade e assuntos legais.
Hohmann-Dennhardt acrescentou: “Queremos esclarecer os anos sombrios da ditadura militar e explicar o comportamento dos responsáveis naquela época no Brasil e, se for o caso, na Alemanha”. Entre as denúncias, o relatório da Comissão da Verdade destacou o relato de Lucio Bellentani, um ex-funcionário da montadora.
“Eu estava no trabalho quando duas pessoas com metralhadoras vieram até mim”, contou ele. “Eles seguraram meus braços atrás das costas e imediatamente me algemaram. Assim que chegamos ao centro de segurança da Volkswagen, a tortura começou. Fui espancado, golpeado e esbofeteado.”
Segundo a advogada Rosa Cardoso, que integrou a comissão, 12 funcionários da fábrica em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, foram torturados, enquanto outros acabaram demitidos e colocados em listas negras.
O documento da Comissão da Verdade citou ainda a prisão do alemão Franz Paul Stangl, comandante na Segunda Guerra dos campos de extermínio Sobibor e Treblinka, na Polônia, em unidade da montadora em São Bernardo do Campo, em 1967.
Ele foi contratado pela empresa em 1951 como responsável pela segurança da fábrica.
Busca nos arquivos
O primeiro passo da pesquisa de Kopper será nos arquivos da Volkswagen em Wolfsburg, na Alemanha.
O historiador pretende descobrir se a sede alemã tinha conhecimento do que ocorria na filial brasileira. Depois desta etapa, ele pretende viajar ao Brasil no ano que vem para analisar os documentos da fábrica em São Paulo e entrevistar ex-funcionários.
Essa é a primeira vez que o especialista em história empresarial pesquisa sobre o Brasil. Ele contou que pretende aprender um pouco de português para o trabalho e já está se inteirando sobre história do país e de sua indústria automobilística. “Receberei todo o apoio da Volkswagen para traduzir os documentos”, disse.
A pesquisa sobre o passado da companhia no Brasil deve durar cerca de um ano – os resultados serão apresentados em um relatório que será distribuído pela Volkswagen.
“Como não sou funcionário da montadora, tenho toda a independência para pesquisar e sobre o conteúdo final deste trabalho”, ressaltou Kopper.
// BBC