O empoderamento feminino já pode ser visto como uma das mais importantes afirmações sociais do século 21. Um dos grupos profissionais mais engajados no Brasil atualmente em tais questões é o dos catadores de latinhas.
O trabalho que não só ajuda na proteção ao meio ambiente e limpeza das cidades em geral (impactando também na geração de empregos) como sustenta famílias inteiras, reciclando a lata e transformando-a em sobrevivência, dignidade, afirmação e luta.
Dentro desse movimento, a questão da mulher catadora tem se tornado central.
No universo da catação de material reciclável, o papel da mulher é de protagonismo: hoje, as mulheres são maioria, representando entre 60% e 70% dos profissionais da área em atividade no Brasil.
Como em qualquer outra profissão, em especial entre as mulheres mais pobres, o trabalho não se encerra necessariamente quando o expediente termina – além de trabalharem na coleta, triagem e reciclagem, muitas ainda precisam exercer o papel de mãe e, muitas vezes sozinhas, cuidarem dos filhos e da casa.
Por ser o item mais reciclado e de maior valia, a lata é o principal meio de sustento desse ofício. Feita de alumínio e infinitamente reciclável, anualmente a indústria da lata retorna seus produtos à prateleira em cerca 60 dias, em um processo circular.
Trata-se de uma conquista brasileira bastante especial, pois por aqui quase a totalidade das unidades de latas produzidas (em torno de 98%) é de fato reciclada.
Se muitos profissionais são fundamentais para que esse processo e toda essa indústria – que movimenta mais de R$ 1 bilhão anualmente no Brasil – funcione, pode-se assumir que a estrela dessa conquista são as catadoras.
Para se ter uma ideia, a indústria é fundamental para a sobrevivência de 400 a 600 mil profissionais em atividade. Segundo a catadora Guiomar Conceição dos Santos, presidente da Cooperativa Sempre Verde, em São Paulo, o valor arrecadado ainda é abaixo do que a classe precisaria e gostaria, mas ela vive orgulhosamente deste trabalho.
“Eu sobrevivo há aproximadamente 25 anos só da reciclagem. Criei três filhas, tenho uma formada na faculdade e duas terminaram o ensino médio”, diz a catadora.
O valor arrecadado depende do material reciclado, e Guiomar confirma que o alumínio é o material mais valioso dentro para a reciclagem – cerca de R$ 4 o quilo. Plásticos em geral arrecadam uma média de R$ 1,40 por quilo, enquanto celulose, em torno de R$ 0,35.
“O valor não é o que eu gostaria, mas dá pra viver. Me sinto orgulhosa com meu trabalho”, afirma Guiomar.
Para resistirem às crises econômicas e as desigualdades em geral, a categoria dos catadores se tornou especialmente organizada, em nível nacional ao redor do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável (MNCR), e da Associação Nacional de Catadoras e Catadores de Material Reciclável (Ancat).
“A organização está sendo bem produtiva e de fortalecimento para nós, mulheres. Através da organização estamos descobrindo o nosso potencial em vários aspectos”, lembra Guiomar, que aponta a luta por direitos não só como uma causa que visa a igualdade e a valorização da profissão, como também uma luta por condições melhores de vida, para que assim possa melhorar a realização do próprio trabalho.
“Lutamos para garantir vagas em creches e escolas para nossos filhos, para que possamos trabalhar com a cabeça tranquila”, diz ela.
Dentro do movimento, o projeto Mulher Catadora é Mulher que Luta visa justamente reconhecer a força desta maioria feminina, para que elas ocupem espaços de decisão e possam influenciar políticas públicas, entre as diversas cooperativas que trabalham com as catadoras em todo o país.
É fato que a profissão de catadora é fundamental para uma cidade mais sustentável e para a luta por igualdade social e de gênero. Ainda assim, há muita luta pela frente – especialmente num país tão grande e populoso como o Brasil, que produz tanto lixo e culturalmente não o destina da forma correta.
Ciberia // Hypeness