A leucena (Leucena leucocephala) já foi considerada uma “árvore milagrosa” por crescer rapidamente mesmo em áreas degradadas, de clima seco e solo pobre.
À medida que foi introduzida em diferentes regiões, porém, o que era seu grande trunfo acabou se tornando um grande problema, e sua propagação passou a colocar em risco espécies nativas.
Esse arbusto originário do México e do norte da América Central hoje está entre as 100 piores espécies invasoras do mundo, causando estragos especialmente em ilhas e arquipélagos. O rastro de perda de biodiversidade aparece no Havaí, nas ilhas Galápagos, nas ilhas Fiji, na Indonésia e nas Filipinas e, mais recentemente, em Fernando de Noronha.
Com o objetivo de verificar o efeito da leucena na vegetação nativa no arquipélago brasileiro, a bióloga Thayná Jeremias Mello realizou uma pesquisa para seu mestrado no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) em 178 pontos da região.
Os resultados são preocupantes. “(A leucena) encontrou na ilha um ambiente propício para se desenvolver e hoje é a planta mais comum do local”, diz o também biólogo Alexandre Adalardo de Oliveira, do Departamento de Ecologia do IB-USP e orientador de Mello. “Nós a detectamos em 60% das áreas com vegetação da ilha.”
Ela é dominante em um quinto dos locais nos quais se estabeleceu. Mas não é só isso. “Onde ela ocorre, a riqueza de espécies nativas diminui muito, cerca de 70%”, diz Oliveira.
Segundo os pesquisadores, a leucena, conhecida também como linhaça em Fernando de Noronha, foi introduzida no arquipélago na década de 1940, para alimentar animais e produzir lenha.
Em artigo sobre o tema, Mello, que é analista ambiental no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), explica que, na época da introdução da leucena no arquipélago, o cultivo da planta “era estimulado em todo o mundo, por crescer rápido até em áreas degradadas, ajudar a fertilizar o solo e ser tolerante à seca”.
O problema é que ela logo começou a se espalhar, mesmo para locais onde não havia sido cultivada. “Tentativas de controlá-la fracassavam: cortada, ela rebrotava vigorosamente. Antes ‘milagrosa’, a espécie entrou na lista das 100 piores invasoras do mundo. Hoje é reconhecida por sua agressividade e por causar perda de biodiversidade, com ameaça destacada às ilhas oceânicas.” Segundo Oliveira, por serem remotos, esses ambientes costumam ter baixa biodiversidade. “Por isso, são considerados ambientes frágeis”, diz.
“As espécies que vivem (nessas ilhas remotas), por terem evoluído isoladas, interagiram com poucos organismos ao longo de sua história evolutiva. Por isso, não estão adaptadas a competir com outras por recursos e sofrem com a invasão.”
Mello afirma que invasões biológicas são atualmente a segunda maior causa de perda de biodiversidade no mundo, ficando atrás apenas da destruição dos habitats.
“Certos ambientes são mais suscetíveis que outros à invasão, especialmente quando degradados”, diz. “É o caso das ilhas oceânicas, onde as invasões biológicas são a principal causa de perda de biodiversidade.”
O avanço da leucena em Fernando de Noronha não foi a única descoberta dos pesquisadores. Eles também realizaram experimentos a fim de entender como se dá a interação entre a invasora e as plantas nativas da região.
Para isso, observaram, em campo e em casa de vegetação, o efeito do contato da leucena e de uma espécie nativa, o feijão-bravo (Capparis flexuosa), em outra planta natural do local, o mulungu (Erythrina velutina) — uma das mais comuns nas florestas originais do arquipélago. Os resultados mostram que o mulungu cresce junto com o feijão-bravo, mas a presença da leucena altera completamente os resultados.
“A leucena até melhora a germinação das sementes do mulungu, mas essa planta morre mais e cresce menos” em áreas invadidas, afirma Oliveira. “Em contrapartida, o feijão-bravo parece não ser afetado pela espécie exótica.”
Quando a interação se dá entre as três plantas, o resultado é ainda pior para o mulungu, que morre mais e cresce menos do que em ambientes em que havia só a invasora.
“Notamos que a espécie exótica aumenta a taxa de mortalidade do mulungu em quatro vezes, enquanto a presença dela associada ao feijão-bravo aumenta mais de sete vezes esse índice”, afirma Oliveira. Ou seja, “uma espécie nativa (feijão-bravo) que não tem efeito sobre outra (mulungu) passa a ter um efeito fortemente negativo quando da presença da invasora (leucena)”, diz.
Os estudos de Thayná Mello para seu mestrado foram realizados entre 2012 e 2014, mas ela ainda pesquisa o tema. “A ocupação por leucena continua aumentando em Fernando de Noronha”, diz à BBC News Brasil.
Seus levantamentos nos últimos anos, que incluem a observação de outras 12 espécies de plantas exóticas, foram reunidos no Plano de Ação para Manejo de Flora Exótica Invasora do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, que está em fase inicial de implementação.
// BBC