Em meio a especulações e boatos sobre a saúde do líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, o mundo se pergunta quem poderia substituí-lo.
Desde a fundação da Coreia do Norte por Kim Il-sung, seu avô, em 1948, um membro masculino da família Kim comanda o país — e a mitologia em torno desse clã permeia toda a sociedade. A propaganda sobre a grandeza desse clã começa para os norte-coreanos antes mesmo de eles serem alfabetizados: crianças em idade pré-escolar cantam uma música chamada: “Quero ver nosso líder Kim Jong-un”.
Portanto, seria possível imaginar a Coreia do Norte sem essa figura simbólica e política no comando do país? O que poderíamos esperar? A resposta imediata é: não sabemos. Mas os norte-coreanos também não sabem. Eles nunca tiveram que pensar nessa possibilidade.
‘Linhagem de Paektu’
Quando Kim Jong-un estava sendo preparado para o poder, os norte-coreanos começaram a usar o termo “Linhagem de Paektu” para ajudar a legitimar seu governo. Paektu é uma montanha considerada sagrada e de forte simbologia para a população do país. Foi ali que Kim Il-sung teria travado uma guerra de guerrilha e na qual Kim Jong-il nasceu. Kim Jong-un costuma ir ao local quando quer anunciar importantes decisões políticas.
Kim Jong-un tem 36 anos. Sabe-se pouco de sua vida, mas acredita-se que ele tenha três filhos, com idades entre três e dez anos, ou seja, muito jovens para suceder o pai. O próprio Kim Jong-un era considerado bastante jovem quando assumiu o poder, após a morte do pai, em 2011. Na ocasião, ele tinha 27 anos.
É provável que, na eventualidade de sua ausência, venha a surgir algum tipo de liderança de grupo, talvez como no Vietnã, que se apoia fortemente nos ensinamentos e na legitimidade de seu fundador, Ho Chi Minh.
Observadores internacionais conseguem identificar quem ocupa posições-chave e acompanhar notícias e inteligência de código aberto sobre instituições importantes, mas não sabem o que acontece nos bastidores, nem quem controla o poder por meio de vínculos pessoais e não institucionais. Além disso, às vezes, subalternos, como vices, exercem um poder mais forte do que aqueles que estão à frente de instituições, o que torna muito mais difícil fazer qualquer previsão.
Há três outros Kims que poderiam suceder Kim Jong-un. Mas todos eles enfrentam limitações em perpetuar a dinastia da família.
O primeiro dos Kims é Kim Yo-jong, a irmã mais nova de Kim Jong-un. Diz-se que ela era a favorita de seu pai, Kim Jong-il, que costumava comentar sobre sua precocidade, seu interesse pela política desde tenra idade. Pragmática e de temperamento moderado, é muito observadora. Muito se falou da sua proximidade com o irmão. Na cúpula de Cingapura entre o líder norte-coreano e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ela ficou famosa por entregar-lhe uma caneta para assinar o acordo e, na cúpula seguinte em Hanói, no Vietnã, era vista espreitando por trás dos cantos enquanto seu irmão posava para fotos como estadista.
No entanto, ela não ficou imune a um rebaixamento temporário após a cúpula de Hanói — supostamente por causa do fracasso da empreitada, embora isso nunca tenha sido confirmado. Kim Yo-jong não faz parte do órgão superior de formulação de políticas, a Comissão de Assuntos do Estado, mas é suplente do Politburo e vice-diretora do Departamento de Propaganda e Agitação (PAD) do Partido dos Trabalhadores da Coreia. Aos ouvidos dos leigos, podem parecer siglas incompreensíveis, mas o PAD é uma organização poderosa que garante a lealdade ideológica no sistema.
Por ser mulher, também é pouco provável que ela passe a comandar um país tão profundamente patriarcal. A Coreia do Norte é um Estado extremamente masculino, no qual o gênero carrega expectativas rígidas. Ser líder supremo e, certamente, comandar as Forças Armadas, não se enquadra no âmbito dos deveres femininos.
O segundo é Kim Jong-chul. Irmão mais velho de Kim Jong-un, nunca pareceu interessado em política ou no poder. Parece, mesmo, estar mais interessado em Eric Clapton, de quem é fã. No máximo, Kim Jong-chul poderia ser um elo simbólico com a família Kim: talvez ocupe o comando de uma fundação e colocado para ler algum discurso ou outro.
O último é Kim Pyong-il, meio-irmão de Kim Jong-il, pai de Kim Jong-un. Sua mãe — madrasta de Kim Jong-il — estava ansiosa para que ele se tornasse o sucessor de Kim Il-sung. Ela falhou em sua missão e acabou afastada por Kim Jong-il quando este ganhou influência. Kim Pyong-il foi enviado para a Europa em 1979, onde ocupou diversos postos diplomáticos em várias embaixadas, a maioria como embaixador, retornando à Coreia do Norte apenas no ano passado.
Sendo assim, é improvável que ele tenha conexões políticas suficientes para desempenhar qualquer função central no coração do governo de Pyongyang. Existem outras pessoas que tiveram papel importante na era Kim Jong-un, mas é difícil saber quem entre elas seria um nome de consenso.
Um deles é Choe Ryong-hae. Ele teve seus altos e baixos desde que Kim Jong-un assumiu o poder, mas é vice-presidente da Comissão de Assuntos de Estado e presidente do Politburo, cargo que vem ocupando desde o ano passado.
Choe também ocupou altos cargos nas Forças Armadas e no Departamento de Organização e Orientação (OGD) do Partido dos Trabalhadores da Coreia, responsável por reforçar a lealdade em todo o regime. Trata-se de uma organização extremamente poderosa, ao fortalecer a adesão de todos os cidadãos à ideologia da Coreia do Norte. Ele é provavelmente o segundo homem mais poderoso do país.
Os velhos mestres de espionagem e a ascensão dos grandes políticos
Outro é Kim Yong-chol. Este general abriu o caminho para as cúpulas Trump-Kim, se encontrando com o Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, várias vezes. Ele foi chefe do Departamento da Frente Unida (responsável pelas relações com a Coreia do Sul) e do Bureau Geral de Reconhecimento, o principal serviço de inteligência do país. Kim Yong-chol parece ter sido rebaixado após as negociações com os Estados Unidos fracassarem, mas é improvável que esse mestre de espionagem permaneça na obscuridade por muito tempo.
O último é Kim Jae-ryong . Além de estar na Comissão de Assuntos Estaduais, ele é o primeiro-ministro, uma posição moderadamente influente.
Pouco se sabe sobre ele, mas ele vem ganhando influência nos últimos anos à medida que outros perderam. Kim Jae-ryong é conhecido por sua experiência no setor industrial e governou a província mais isolada, sede das principais fábricas militares-industriais, por vários anos. Isso pode ser um sinal de que ele esteve intimamente envolvido no programa nuclear.
// BBC