O procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou nesta segunda-feira (04/05) ao Supremo Tribunal Federal novas diligências no âmbito do inquérito que apura as acusações do ex-ministro Sergio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro. As solicitações de Aras ocorrem dois dias depois de Moro prestar um depoimento de oito horas à Polícia Federal.
Entre os pedidos do procurador-geral estão depoimentos de pessoas citadas por Moro, entre elas três ministros do governo Bolsonaro: Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno Ribeiro Pereira (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência) e Walter Souza Braga Netto (Casa Civil).
Em depoimento à PF, Moro apontou que os três testemunharam pressões de Bolsonaro para forçar mudanças no comando da corporação.
Aras ainda solicitou depoimentos da deputada Carla Zambelli (PSL-SP); do ex-diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo; e dos delegados da PF Ricardo Saadi, Carlos Henrique de Oliveira Sousa, Alexandre Saraiva, Rodrigo Teixeira e Alexandre Ramagem Rodrigues.
Segundo o pedido apresentado por Aras ao STF, essas pessoas devem ser ouvidas sobre “eventual patrocínio, direto ou indireto, de interesses privados do Presidente da República perante o Departamento de Polícia Federal, visando ao provimento de cargos em comissão e a exoneração de seus ocupantes”.
A PGR ainda solicitou a recuperação do vídeo de uma reunião ministerial que ocorreu no dia 22 de abril, no Palácio do Planalto, na qual, segundo Moro, o presidente cobrou mudanças na PF, ameaçando demiti-lo se isso não ocorresse.
Moro ainda afirmou que Bolsonaro queria acesso a um relatório de inquéritos em curso na PF. O ex-ministro disse que não poderia dar fornecer tal informação, e que “nem ele mesmo tinha acesso”.
Segundo Aras, o vídeo deve ser analisado “no intuito de confirmar a afirmação de que o primeiro (Bolsonaro) teria cobrado, de acordo com o ex-titular da Pasta da Justiça, ‘a substituição do SR/RJ, do Diretor Geral e relatórios de inteligência e informação da Polícia Federal'”.
A PGR ainda solicitou a verificação do ato de exoneração do ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo, que, segundo Moro, não contou com seu respaldo, mas que mesmo assim foi publicada no Diário Oficial com sua assinatura, indicando uma fraude. Por fim, Aras ainda solicitou perícia nas informações obtidas a partir do celular de Moro.
Por enquanto, a PGR não solicitou o depoimento do presidente Bolsonaro. Os pedidos devem ser analisados pelo ministro Celso de Mello, do STF.
Ainda nesta segunda-feira, advogados do ex-ministro Moro afirmaram ao STF que abrem mão do sigilo do depoimento prestado por Moro à PF, a fim de evitar interpretações fora de contexto. Em documento enviado ao STF, a defesa de Moro apontou que “não se opõe à publicidade dos atos praticados nestes autos”.
Acusações
Em 24 de abril, Moro entregou o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública, que ocupava desde janeiro de 2019, na sequência da demissão do ex-chefe da Polícia Federal Maurício Valeixo. Em pronunciamento, ele acusou Bolsonaro de tentar usar a corporação para bloquear investigações contra seus familiares e aliados políticos.
Segundo Moro, o presidente queria na chefia da PF “uma pessoa da confiança pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência”. Ainda segundo o ex-ministro, Bolsonaro “tinha preocupação com inquéritos em curso no STF”.
Moro ainda acusou o governo de falsificar a publicação do Diário Oficial sobre a saída de Valeixo, que informara que a demissão ocorreu “a pedido” deste. O ex-ministro afirmou que o ex-diretor nunca solicitou a demissão. A publicação ainda trazia a assinatura eletrônica de Moro. “Eu não assinei esse decreto”, disse.
Bolsonaro rebateu algumas das acusações de Moro em um pronunciamento no mesmo dia. Ao lado de vários de seus ministros, o presidente acusou seu ex-aliado de condicionar uma troca no comando da PF a uma indicação do seu próprio nome para uma vaga no STF. No entanto, Moro afirmou que essa oferta de uma vaga no STF partiu de uma interlocutora do presidente, a deputada Carla Zambelli. O ex-ministro chegou a mostrar para a TV Globo uma conversa que teve com a deputada pouco antes de sua saída.
No mesmo dia, o procurador-geral Augusto Aras pediu ao Supremo autorização para investigar possíveis crimes cometidos por Moro ou por Bolsonaro.
No inquérito, o presidente será investigado se cometeu obstrução de Justiça e advocacia administrativa, caso realmente tenha usado a PF para interferir em investigações, ou falsidade ideológica, ao colocar a assinatura de Moro na exoneração do então diretor da PF sem que o então ministro da Justiça tivesse de fato a assinado, entre outros crimes.
Já Moro pode ter de responder por crime de denunciação caluniosa se não tiver provas de que Bolsonaro realmente tenha tentado usar a PF para proteger aliados, ou prevaricação, se for provado que ele sabia de eventuais crimes cometidos pelo presidente e não cumpriu sua obrigação como ministro da Justiça de denunciá-los.
Poucos dias depois da saída de Moro, Bolsonaro nomeou para a chefia da PF o delegado Alexandre Ramagem. A nomeação, no entanto, foi barrada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, atendendo a um pedido de liminar do Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Na ação, a legenda apontou que a nomeação revelava “flagrante abuso de poder, na forma de desvio de finalidade” e mencionou acusações do ex-ministro Sergio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro. Antes de ser nomeado para a PF, Ramagem ocupava o cargo de diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ele é amigo dos filhos do presidente, especialmente do vereador Carlos Bolsonaro. A própria nomeação para a chefia da Abin foi atribuída a sua proximidade com Carlos.
A escolha para a PF de uma figura tão próxima do clã Bolsonaro havia provocado críticas no meio político, judiciário e policial. Partidos já haviam avisado que fariam uma ofensiva judicial para barrar a nomeação, acusando o presidente de agir para blindar seu clã. Até mesmo assessores do Planalto haviam advertido o presidente sobre o potencial desgaste de uma enxurrada de ações na Justiça contra a nomeação de Ramagem.
Nesta segunda-feira, diante da resistência à nomeação de Ramagem, Bolsonaro nomeou o delegado Rolando Alexandre de Souza como novo diretor-geral da Polícia Federal. O novo nome é justamente um indicado de Ramagem, que voltou a assumir seu velho cargo na Abin.
Nos últimos meses, vários membros do círculo de Bolsonaro passaram a ser investigados pela PF por ordem do STF, entre eles seus filhos Carlos e Eduardo, que são suspeitos de alimentar um esquema de fake news. Deputados aliados do presidente ainda são investigados por suspeita de organizarem atos antidemocráticos que pedem o fechamento do Congresso e uma intervenção militar no país. Ao longo do ano passado, Bolsonaro também se irritou quando a PF investigou um amigo seu, o deputado Hélio “Negão”, e suspeitas envolvendo a evolução patrimonial de outro filho, o senador Flávio.