Nesta sexta-feira (11), completam-se seis meses que a Organização Mundial da Saúde decretou que uma pandemia estava em curso.
O anúncio, considerado tardio num momento em que diversos países já contabilizavam milhares de mortes pelo novo coronavírus, levou o planeta a se adaptar, à força, a uma nova e sinuosa realidade. Desde o início da epidemia, apenas 10 países foram poupados da Covid-19.
Os felizardos são Estados insulares do Pacífico – ilhas paradisíacas que, ao cortarem as ligações com o resto do mundo, se protegeram do vírus que já causou oficialmente mais de 900 mil mortes, nos cinco continentes. Arquipélago de Palau, Ilhas Marshall, Ilhas Salomão, Kiribati, Micronésia, Nauru, Samoa, Tonga, Tuvalu e Vanuatu são os únicos lugares que, até agora, não registraram nenhum caso do coronavírus.
O fato de não terem perdido vidas para a doença não significa que esses micropaíses não sofram as consequências da Covid-19. Eles foram poupados pela pandemia, mas não pela crise, já que a paralisação do turismo impacta gravemente a principal fonte de riquezas desses lugares.
Retorno à vida normal
No mundo todo, já são mais de 28 milhões de casos confirmados desde a aparição do novo coronavírus, na China. Nestes seis meses de pandemia, as pesquisas avançaram no tratamento da doença e na busca por uma vacina – mas ninguém pode prever, com certeza, quando a “vida normal” de antes estará de volta.
“Foram seis meses difíceis porque fomos todos confrontados a algo que não conhecíamos. Não tínhamos enfrentado as pandemias precedentes, como a de Sars-Cov, o Mers-Cov ou a crise do ebola”, afirma Djullali Annan, chefe do serviço de medicina intensiva e reanimação do hospital Raymond Poincaré, de Garches, na periferia de Paris.
“Praticamente ninguém poderia prever o que aconteceria. Agora, temos que aprender a viver de outra forma pelos próximos meses ou até anos. Temos de nos adaptar às consequências do vírus e ainda precisamos aprender muito sobre ele, que permanece desconhecido em muitos aspectos.”
Em entrevista à RFI, Annan frisa que, até aqui, o foco do trabalho dos cientistas foi para aliviar as consequências imediatas do vírus, em especial a inflamação pulmonar que ele provoca. “Mas ainda precisamos entender como evitar o desenvolvimento dele no nosso organismo e matá-lo. Até agora, todas as tentativas fracassaram”, lamenta o médico.
As pesquisas clínicas mostraram que apenas um tipo de medicamento reduz a mortalidade: os corticoides, que combatem a inflamação. Entretanto, eles são indicados apenas para “formas graves ou críticas” da doença, insiste a OMS.
Um antiviral, o remdesivir, reduz o tempo de internação hospitalar, porém seu benefício é relativamente modesto. Por outro lado, a cloroquina, defendida pelos presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e do Brasil, Jair Bolsonaro, não teve eficácia comprovada pela ciência.
Vírus “só existe na imprensa”
Apesar do elevado número de mortes, ainda há milhares de pessoas que duvidam da existência do coronavírus. O ceticismo é um desafio a mais para as autoridades sanitárias, já que tende a resultar no abandono de medidas de proteção contra a Covid-19 e aumentar a pressão para a reabertura completa das atividades.
“Para mim, é pura propaganda. Comprei um monte de máscara e luvas, mas depois de um mês, percebi que estava só gastando dinheiro. Nunca vi ninguém com Covid, nem meus amigos. Só ouço falar dessa doença na imprensa”, afirmou o ouvinte Lassana, direto de Bamaco (Mali), em entrevista ao programa Appel sur l’actualité, da RFI.
Para Richard Mihigo, coordenador dos programas de imunização e vacinação da OMS na África, o fenômeno cresce em países com poucos registros de mortes – o Mali é um deles, com 127 óbitos registrados.
“Escutamos isso no mundo inteiro mas, infelizmente, o vírus é bem real. Lamento que ainda tenha tanta gente duvidando de uma realidade no mundo e uma tragédia para milhares de famílias”, disse Mihigo, à RFI.
“Nós trabalhamos dia e noite para chamar a atenção das pessoas sobre a gravidade da doença. Mas como temos uma maioria de casos assintomáticos ou sem mortes, muita gente ainda duvida. Precisamos seguir insistindo que as medidas de prevenção se impõem não só para podermos todos voltar à vida normal, mas também para continuar salvando vidas.
Mihigo respondeu, ainda, às cobranças quanto às previsões catastróficas que a OMS emitiu à África no início da pandemia. A entidade avaliou, em maio, que o continente africano poderia registrar até 190 mil óbitos pelo coronavírus – número quase seis vezes menor do que o registrado até hoje, de 32 mil mortes.
“Não houve contradições. O que houve é que, felizmente, a África reagiu muito bem e ouviu os nossos alertas”, explicou o representante da organização. “Fechou logo as fronteiras, proibiu aglomerações. Hoje, vemos o quanto essa estratégia valeu a pena.”
Quando haverá vacina?
Encontrar uma vacina eficaz e segura é considerada a melhor forma de acabar com a pandemia. No entanto, não se sabe ainda quando isso acontecerá, apesar da competição planetária nessa corrida, com apostas financeiras colossais.
Em sua última atualização, na terça-feira (8), a OMS identificou 34 “vacinas candidatas” avaliadas em ensaios clínicos em humanos ao redor do mundo. Nove já estão na última etapa ou se preparam para entrar. Esta é a “fase 3”, na qual a eficácia é medida em grande escala, em milhares de voluntários.
Estados Unidos, Rússia e China travam uma batalha à distância e agilizam procedimentos na esperança de serem os primeiros a ter uma vacina, ainda antes do final do ano.
Mas os especialistas pedem para não se confundir velocidade com precipitação: pular etapas pode representar riscos graves à saúde. Um dos projetos mais avançados, liderado pelo laboratório AstraZeneca e a universidade britânica de Oxford, foi suspenso na terça-feira, depois da identificação de uma “doença potencialmente inexplicada” – possivelmente um efeito colateral sério – em um participante.
A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) estima “que pode demorar pelo menos até o início de 2021 para uma vacina contra a Covid-19 estar pronta para aprovação e disponível em quantidade suficiente” para uso global.
// RFI