Como consequência da negligência mostrada por Donald Trump em sua política para a América Latina, Pequim conseguiu consolidar sua influência na região.
Durante a presidência de Donald Trump, a China superou os Estados Unidos em termos de poder e influência na maior parte da América Latina, revelou uma investigação realizada pela agência Reuters, que incluiu entrevistas com funcionários e uma análise de dados comerciais.
O fortalecimento da China nesta região cria um desafio para Biden, que prometeu recuperar para Washington o papel de líder mundial e advertiu que a perda de influência por parte dos EUA na América Latina ameaça sua segurança nacional.
“Deverão entender que a incompetência e a negligência de Trump na América Latina e Caribe vão terminar no primeiro dia da minha administração”, afirmou Biden em março.
Esta promessa não será fácil de cumprir por uma série de razões, escreve a analista Cassandra Harrison para a agência britânica.
Mark Feierstein, que assessorou o ex-presidente Barack Obama, afirma que a falta de compromisso e a saída de Trump do acordo da Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês) criaram um vácuo a favor da China, que Biden vai buscar recuperar.
“O que Trump conseguiu foi fazer com que a China parecesse um parceiro melhor. Tudo isso vai mudar”, enfatizou Feierstein, que agora é o assessor principal do grupo Albright Stonebridge e da empresa ClS Strategies.
O que Pequim alcançou na América Latina?
Se não se considerar o México, desde 2018, a China supera os Estados Unidos como o maior parceiro comercial da América Latina, comprando o cobre andino, os grãos argentinos e a carne brasileira. Em 2019, o comércio do gigante asiático com a região aumentou em relação ao ano anterior, alcançando mais de US$ 223 bilhões (R$ 1,14 trilhão), ante os US$ 198 bilhões (R$1,03 trilhão) dos Estados Unidos, revelou uma análise realizada com base em dados da Organização das Nações Unidas.
Porém, o país norte-americano continua mantendo a liderança comercial na América Latina se a estes dados se agregar o comércio dos EUA com o México. Em 2019, este país foi considerado seu principal aliado comercial a nível mundial.
Por sua vez, a China agora é o parceiro comercial número um do Brasil, Chile, Peru e Uruguai. Também ultrapassa os EUA no comércio com a Argentina. Nos últimos anos, Pequim aumentou o volume de investimentos e empréstimos concedidos com baixas taxas de juros para a região e continuou apoiando projetos energéticos, que incluem a construção de plantas solares, represas, portos, linhas de trem e estradas.
O investimento chinês foi vital para os países emergentes, que necessitam de apoio para continuar a lutar contra o impacto da pandemia.
“Acredito que a China tem mais interesse na Argentina que os Estados Unidos. E aí está a diferença”, salienta um funcionário do governo argentino que preferiu se manter anônimo.
Uso da diplomacia
A China se aproveitou da negligência de Trump durante a pandemia para estreitar seus laços com toda a América Latina, enviando equipamentos médicos, incluindo ventiladores e máscaras. Desta maneira, ajuda os países da região a lutar contra a COVID-19.
“A diplomacia econômica da China, realizada através do comércio ou da área financeira, abriu uma grande variedade de portas”, salientou Margaret Myers, diretora de um programa implementado entre a China e a América Latina no quadro do Diálogo Interamericano, citando como exemplo um empréstimo de US$ 2,4 bilhões (R$ 12,2 bilhões) oferecido ao Equador pelo China Exim Bank.
Por sua parte, os Estados Unidos pareciam ter mudado de rumo nos meses anteriores às eleições presidenciais, divulgando seu próprio conjunto de iniciativas para a região em uma tentativa de competir com a China. Porém, muitos analistas consideram que estes esforços são escassos e chegam tarde.
O que faria Joe Biden?
Uma vez na Casa Branca, o democrata Joe Biden provavelmente dará maior prioridade à América Latina que Trump, sugere à Reuters um dos analistas. Enquanto tentam restabelecer sua posição, os Estados Unidos se veem obrigados a encontrar uma maneira de se recuperar da pandemia e restaurar os laços com a Europa e a Ásia, escreve Cassandra Garrison.
Apesar disso, Biden continuaria advertindo os países da região contra a aproximação da China, tal como fez Trump, mas também poderia recuperar os corações e mentes oferecendo mais incentivos financeiros e um retorno da ajuda humanitária que Trump cortou.
“(A administração Biden) vai reconhecer a dependência da América do Sul do mercado chinês relativamente ao fornecimento de produtos básicos, e vai tentar oferecer seu apoio com muito mais energia e generosidade”, concluiu Benjamin Gedan, ex-funcionário do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca durante a administração Obama.
Ciberia // Sputnik