A composição de um filtro solar frequentemente utilizado em cremes anti-idade e protetores contra raios UV entrou no radar de pesquisadores franceses e americanos. Eles descobriram que uma substância presente nestes produtos – alguns de célebres marcas como La Roche-Posay, L’Oréal, Garnier e Neutrogena – pode se transformar em um desregulador endócrino potencialmente cancerígeno.
Parte do estudo foi realizado pelo Laboratório de Biodiversidade e Biotecnologias Microbianas do Observatório de Oceanologia de Banyuls sur Mer, no sudoeste da França, e publicado nesta semana na revista científica Chemical Research in Toxicology. Segundo a pesquisa, à medida em que o produto envelhece, o octocrileno – ingrediente presente em diversos cosméticos – se transforma em benzofenona, uma substância extremamente perigosa e já proibida em diversos países.
Em entrevista à RFI, a brasileira Alice Rodrigues, engenheira de estudo que participou do trabalho, explica que já se sabia que o octocrileno pode se transformar em benzofenona, mas nunca se havia pesquisado sobre a reação dessa substância em produtos de beleza. Isso foi o que motivou os pesquisadores, que selecionaram 17 produtos cosméticos com fator solar comercializados em supermercados e farmácias franceses, de forma aleatória. Apenas um deles não continha octocrileno.
Em seguida, as mercadorias foram submetidas a um processo de envelhecimento acelerado, para verificar como seria sua transformação ao longo de um ano. “Depois dessa etapa, medimos novamente a presença da benzofenona nos cremes e ela dobrou em todos os produtos que continham octocrileno”, diz. O fenômeno não foi verificado na mercadoria que não levava essa molécula em sua composição.
Alice Rodrigues explicou à RFI porque o octocrileno é uma molécula potencialmente perigosa. “Ele pode passar a barreira da pele, entrar na corrente sanguínea, ser transmitido de mãe para filho na amamentação. Mas o que é mais preocupante, que é o que descobrimos no estudo, é que ele pode se transformar em benzofenona, que é muito tóxico e potencialmente cancerígeno”, salienta.
A engenheira de estudo afirma também que a benzofenona apresenta diversos riscos à saúde dos indivíduos, atuando como um desregulador endócrino e podendo causar também dermatites e urticárias.
Desafio para o consumidor
Para Philippe Lebaron, co-autor do estudo e biólogo do Laboratório de Biodiversidade e Biotecnologias Microbianas do Observatório de Oceanologia de Banyuls sur Mer, o estudo é um argumento a mais para que o octocrileno seja proibido na composição de cosméticos. Mas, enquanto agências reguladoras de medicamentos não fizerem essa determinação, Alice Rodrigues sugere que as pessoas fiquem atentas à presença dessas substâncias nos produtos.
“É um pequeno esforço que podemos fazer enquanto consumidores, procurar saber o que tem nos produtos que usamos. É verdade que às vezes são formulações quilométricas, mas com o alerta do nosso estudo, talvez, a partir de agora, achar a palavra ‘octocrileno’ nas embalagens vai ficar um pouco mais fácil”, diz.
A engenheira de estudo também convida as agências reguladoras a determinarem que as empresas fabricantes de cosméticos assinalem, nas embalagens, a ausência ou a percentagem de octocrileno utilizada nos produtos.
Nefastos para o meio ambiente
Segundo o Centro Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, há provas suficientes que a benzofenona também é perigosa para os animais. Nos bichos, ela pode resultar em câncer de fígado e linfomas, além de problemas cutâneos.
Além disso, o octocrileno é apontado pelos pesquisadores como extremamente prejudicial à vida marinha, especialmente aos corais. “Alguns fabricantes já o retiraram de seus protetores solares por razões ecológicas”, indica Philippe Lebaron.
Não é à toa que territórios que possuem recifes de corais, como as Ilhas Virgens americanas ou as Ilhas Marshall, proibiram o uso de produtos que contenham essa substância. Por isso, os autores da pesquisa lembram que esse tipo de cosmético representa tanto uma ameaça para a saúde humana quanto para o meio ambiente.
// RFI