Metade de todo crescimento do Brasil fica com os 5% mais ricos

Que o Brasil é extremamente desigual não é novidade para ninguém. Mas como exatamente essa desigualdade se distribui na sociedade? E o que isso significa para traçar melhores estratégias de distribuição de renda e redução da pobreza?

Essas são algumas das questões centrais do livro “Os ricos e os pobres: O Brasil e a desigualdade” (Companhia das Letras), nova obra do sociólogo Marcelo Medeiros, pesquisador no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que há décadas estuda o tema e atualmente é professor visitante na Universidade Columbia, em Nova York.

Ao tentar explicar quem, afinal, são os ricos e os pobres brasileiros, Medeiros constata que o Brasil é formada por uma grande massa de pessoas de baixa renda, que compõe cerca de 80% da população.

Dentro desse grupo, descreve o sociólogo, a desigualdade é relativamente pequena. Há, claro, diferenças de renda dentro dessa massa, mas numa proporção muitíssimo menor do que a desigualdade que se vê no topo da pirâmide.

Mesmo entre os “mais ricos” dentro dos 80% mais pobres o ganho anual não supera R$ 31 mil (cerca de R$ 2.600 na média mensal). Isso significa que quatro quintos da população adulta ganham menos que a média de um adulto brasileiro (cerca de R$ 33 mil ao ano).

Isso acontece porque o topo da pirâmide tem renda tão mais alta que puxa a média da renda para muita acima do que a maioria ganha de fato.

No caso do grupo dos 10% mais ricos, a renda não começa tão elevada. Os “mais pobres” desse grupo ganham em torno de R$ 50 mil por ano. Isso equivale ao salário aproximado de R$ 3.800 mensais de um trabalhador formal, que recebe décimo terceiro e adicional de férias, ressalta o autor.

A partir daí, porém, os patamares de renda começam a crescer num ritmo super acelerado, constata o livro. O 1% mais rico, por exemplo, é um grupo de pouco mais de 1,5 milhão de pessoas que ganham, no mínimo, R$ 340 mil por ano – quase sete vezes mais que aqueles que estão no começo dos 10% mais ricos. Mas as rendas do topo desse grupo vão muito além, enfatiza o autor.

“A maior parte da desigualdade do Brasil está nos 10% mais ricos. Eles são um grupo terrivelmente desigual”, resumiu, em entrevista à BBC News Brasil.

E a desigualdade no topo não é apenas de nível de renda, mas de como essa renda é taxada, destaca Medeiros. Trabalhadores assalariados, por exemplo, tendem a pagar um imposto mais alto que profissionais liberais ou investidores.

“Algumas dessas pessoas (no grupo dos 10% mais ricos) estão pagando bastante Imposto de Renda, por exemplo, e outras estão pagando muito menos Imposto de Renda”, afirma.

Aumentar a progressividade da tributação – ou seja, cobrar mais de quem ganha mais – é uma das medidas necessárias para promover a distribuição de renda, defende o sociólogo, mas nem de longe é suficiente. Na sua visão, enfrentar a colossal desigualdade brasileira tem que estar em toda a política de governo.

O próprio crescimento da economia, defende, precisa ser pensado como um crescimento pró-pobre. Ou seja, um crescimento que puxe a renda da base ao invés de beneficiar essencialmente o topo, como vem ocorrendo.

“Mais ou menos metade de todo o crescimento brasileiro está indo para as mãos só de 5% da população”, crítica.

Medeiros reconhece que é uma tarefa para décadas, que provocará muita resistência das elites e depende de “mobilizar um capital político monstruoso”.

“Reduzir dramaticamente a desigualdade e a pobreza no Brasil vai envolver muita mobilização política porque o problema é político antes de ele ser enfrentado do ponto de vista econômico”.

Confira aqui os principais trechos da entrevista, feita por telefone e editada por concisão e clareza.

// BBC

COMPARTILHAR

DEIXE UM COMENTÁRIO:

Como brasileiros driblam a alta dos preços dos alimentos

Inflação mudou os itens nos carrinhos de supermercado e chegou a afetar a popularidade de Lula. Famílias de diferentes bairros de São Paulo contam sobre sua forma de lidar com a situação. "Driblar os preços." É …

Como Alzheimer deixou ator Gene Hackman sozinho em seus últimos dias: 'Era como se vivesse em um filme que se repetia'

O ator Gene Hackman estava sozinho em sua casa, na cidade de Santa Fé, Novo México, nos EUA, quando faleceu. A estrela de Hollywood, com duas estatuetas do Oscar, não fez uma única ligação e não …

Fenômeno misterioso no centro de galáxia pode revelar nova matéria escura

Pesquisadores do King's College London apontaram, em um novo estudo, que um fenômeno misterioso no centro da nossa galáxia pode ser o resultado de um tipo diferente de matéria escura. A matéria escura é um dos …

ONU caminha para 80 anos focando em reformas e modernização

O líder das Nações Unidas, António Guterres, anunciou o lançamento da iniciativa ONU 80 que quer atualizar a organização para o século 21. Na manhã desta quarta-feira, ele falou a jornalistas na sede da ONU que …

Premiê português cai após denúncia de conflito de interesses

Luís Montenegro perdeu voto de confiança no Parlamento, abrindo caminho para novas eleições. Denúncia envolve pagamentos de uma operadora de cassinos a empresa de consultoria fundada por político. O primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, e sua …

Como a poluição do ar em casa afeta a saúde e piora doenças respiratórias

Um levantamento feito em 2024 pela associação Santé Respiratoire France, a pedido da empresa francesa Murprotec, uma das maiores do setor, mostrou que a poluição em ambientes fechados é até nove vezes maior do …

1ª mulher presidente no STM: “Se chegarem denúncias sobre o 8 de janeiro, vamos julgá-las”

Em entrevista à Agência Pública, Maria Elizabeth Rocha, fala de golpe, Justiça Militar e extremismo nas Forças Armadas. O caminho da ministra do Superior Tribunal Militar (STM) Maria Elizabeth Rocha até a presidência da Corte, no …

Fim do Skype: veja 7 apps para fazer chamadas de vídeo

A Microsoft anunciou que o Skype será desativado em 5 de maio de 2025, depois de mais de 20 anos de serviço. Depois do encerramento da plataforma, os usuários poderão migrar para o Microsoft Teams …

O que aconteceu nos países que não fizeram lockdown na pandemia de covid

Em março de 2020, bilhões de pessoas olhavam pelas janelas para um mundo que não reconheciam mais. De repente, confinadas em suas casas, suas vidas haviam se reduzido abruptamente a quatro paredes e telas de …

Iniciativa oferece 3,1 mil bolsas para mulheres em programação e dados

Confederações de bancários e Febraban anunciaram vagas em três cursos. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e as confederações de bancários – como a Contraf e o Contec – anunciaram nesta terça-feira (11) a oferta …