O ex-zelador do Condomínio Solaris, no Guarujá (SP), José Afonso Pinheiro, afirmou nesta sexta-feira (16) que “todos sabiam” que o tríplex 164/A “pertencia ao ex-presidente Lula”.
Em depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, Pinheiro disse que a ex-primeira dama Marisa Letícia “se portava lá como proprietária do apartamento”. “Nunca a vi se portar como alguém interessada em comprar apartamento”, comentou ele.
José Afonso Pinheiro foi arrolado pelo Ministério Público Federal como testemunha de acusação na ação penal contra Lula por suposto recebimento de R$ 3,7 milhões em propinas da empreiteira OAS. Zelador há 20 anos, ele trabalhou no Solaris entre novembro de 2013 e abril de 2016.
A audiência, por videoconferência, foi tensa. Pinheiro se exaltou quando indagado pela defesa de Lula sobre sua filiação ao PP depois que foi demitido do Solaris – ele saiu candidato a vereador com o nome “Afonso Zelador do Tríplex”.
Irritado com o questionamento, Pinheiro ofendeu os advogados do ex-presidente. “Vocês são uns lixos”. Moro interrompeu a testemunha e pediu que tivesse calma.
O tríplex do Guarujá é o ponto central de uma das investigações encetadas pela força-tarefa da Lava Jato contra Lula. Os investigadores acreditam que o ex-presidente é o verdadeiro proprietário do imóvel, que passou por uma reforma bancada pela OAS.
Lula nega ser o dono do apartamento.
No início da audiência, o procurador da República perguntou ao zelador se ele tinha algum tipo de informação sobre a reforma da unidade 164/A. “Tenho sim senhor”, respondeu Pinheiro.
“O que foi feito nessa obra?”, perguntou o procurador.
“Mudanças na parte debaixo do apartamento, a instalação do elevador no apartamento e obras na área da piscina.” Ele disse que Lula visitou o apartamento. “Ele, dona Marisa, mais um grupo de segurança, corpo de segurança, juntamente com o pessoal da OAS, junto também.”
“Era dito que o apartamento pertencia a Lula?”, indagou o procurador.
“Sim, todos sabiam lá que o apartamento pertencia ao ex-presidente Lula. Inclusive, até os condôminos sabiam que era dele o apartamento. Sempre houve esse comentário lá. Antes da visita o pessoal já comentava que o apartamento era dele.”
O zelador contou sobre uma segunda visita de Lula. Quem foi nessa segunda visita?, perguntou o procurador. “Lula, dona Marisa, mais um corpo de segurança, inclusive a segurança parava o elevador que a OAS fazia uma decoração no hall e no próprio apartamento para receber.”
O procurador perguntou também se Marisa esteve lá no prédio depois. “Sim, eu que apresentei todas as áreas para ela, piscina, salão de festa, área comum, que ela achou muito boa, próxima da praia. Falou que era na areia.”
A defesa iniciou, então, uma série de perguntas à testemunha, parte delas indeferida pelo juiz Moro, que não viu pertinência com os termos da acusação.
Ao ser questionado sobre sua filiação ao PP, o zelador respondeu ao advogado de Lula.
“Você não sabe o que é uma pessoa desempregada. Fui envolvido numa situação que não tenho culpa nenhuma. Perdi meu emprego, perdi a minha moradia. O que você faria numa situação? Você nunca passou por isso. Vocês são um bando de lixo, lixo, o que está fazendo com o nosso país.”
O advogado de Lula perguntou a José Afonso Pinheiro quem estava presente na segunda visita ao tríplex.
“Não falei para você que foi na segunda visita que eu mostrei as áreas para dona Marisa? Que ela foi ver a área da piscina, salão de festa, o hall, todas as áreas do condomínio? Inclusive ela estava elegantemente vestida, bem vestida. Conversou bastante, pessoa bastante popular, entendeu?”
“Sempre quando Lula ia lá, tinha várias pessoas com ele, inclusive, o Igor (Pontes, engenheiro da OAS) falava, quando eles iam entrar com o carro, para já deixar o portão aberto: ‘Abre o portão, deixa o portão aberto para já entrarem direto para a garagem’. Tinha um corpo de pessoas com ele. Iam três, quatro seguranças junto.”
Pinheiro declarou ter recebido orientação do engenheiros da OAS “a não falar nada que o apartamento pertencia ao sr. Luiz Inácio e à dona Marisa, era para falar que o apartamento pertencia à OAS”.
“A orientação nós já tínhamos recebido para não falar que o apartamento era de Lula, que o apartamento pertencia à OAS e não ao Luiz Inácio e à dona Marisa. Isso aí já falando de uma vez com a pessoa, (para) o bom entendedor já basta”, disse.
No fim da audiência, o juiz Moro pediu desculpas ao ex-zelador. “Agradeço a sua colaboração, sua disposição de vir depor como testemunha. Mais uma vez eu reitero que o sr. não está sendo acusado de nada, eu lamento pelo fato de o sr. ter perdido o seu emprego nessa ocasião. Lamento muito isso”, disse.
“E lamento se algumas perguntas tenham soado ofensivas ao sr., acredito que não tenha sido a intenção do advogado, mas ainda assim eu peço desculpas em nome do juízo e agradeço a sua colaboração. Muito obrigado”, acrescentou o magistrado.
Segue a íntegra da nota da defesa de Lula, feita por Cristiano Zanin Martins:
“As quatro testemunhas ouvidas nesta sexta-feira (16), na 13ª Vara Federal de Curitiba, encerram o ciclo de coleta de depoimentos da acusação na ação penal relativa ao chamado tríplex do Guarujá. Tal qual os 23 depoimentos anteriores dessa mesma fase, não se extrai das narrativas atuais qualquer elemento que possa confirmar a acusação formulada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-residentep Luiz Inacio Lula da Silva nessa ação.
Rosivane Soares Candido, ex-funcionária da empresa Tallento, qualificou de meros ‘boatos’ as informações que circularam sobre Lula ser proprietário do apartamento 164-A, do Condomínio Solaris. Inquirida pela defesa, ela diz não haver qualquer prova ou fato que possa confirmar a posse do imóvel pelo ex-presidente.
Quando questionado sobre o tema, também o ex-zelador do edifício Solaris José Afonso Pinheiro não foi capaz de apresentar nenhum dado que comprovasse ser de Lula o apartamento. Firmando seu depoimento em impressões pessoais e mesmo tendo o juiz Sérgio Moro indeferido as perguntas da defesa relativas ao tema, o depoimento de Pinheiro tem uma vinculação à questão alvo da ação que, sem dúvida, compromete sua narrativa. A fama que o tríplex conquistou estimulou a nascente carreira política de Pinheiro, que fez o registro de sua candidatura pelo PP como ‘Afonso, zelador do tríplex’, evidenciando interesse no desfecho da causa.
Descontrolado, Pinheiro chegou a ofender Lula e seus advogados, os qualificando de ‘lixo’, não sendo repreendido pelo juiz. Muito ao contrário. Ao término da audiência, o juiz Moro pediu ‘desculpas’ ao depoente sob o pretexto de que foi Pinheiro o ofendido, em manifesto descompasso com a realidade.
O fato soma-se ao rol dos demais episódios que evidenciam a parcialidade do juiz Moro no julgamento do ex-Presidente e que integram o Comunicado feito ao Comitê dos Direitos Humanos da ONU, em julho. Suas provocações e exaltações no curso desta audiência foram enfrentadas com muita serenidade, especialmente considerando que o juiz apresentou ao longo da sessão fatos estranhos ao objeto da ação, como a queixa-crime subsidiária em que figura como querelado – proposta pelo ex-Presidente Lula e seus familiares diante de graves fatos que denotam, em tese, abuso de autoridade – e a ação de reparação por danos morais proposta em face do procurador da República Deltan Dallagnol pelos ilícitos configurados durante a entrevista coletiva realizada em 14/09. Moro chegou a atacar a ‘qualidade da advocacia’ da defesa de Lula.”
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