Dias antes de chacina, detentos denunciaram corrupção em presídio do Amazonas

Wilson Dias / Agência Brasil

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Dezenove dias antes de serem mortos na chacina em que 56 presos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim foram assassinados por outros internos, dois detentos enviaram cartas à Justiça do Amazonas em que denunciaram que diretores da unidade prisional recebiam dinheiro de organizações criminosas para permitir a entrada de armas, drogas e celulares no presídio.

Duas cartas com denúncias semelhantes foram assinadas pelos presos Alcinei Gomes da Silveira e Gezildo Nunes da Silva e entregues à Defensoria Pública do Amazonas no dia 10 de dezembro.

Segundo a defensoria, os documentos foram anexados ao processo de Gezildo no dia 14 de dezembro, para conhecimento do juiz Luis Carlos Valois, titular da Vara de Execuções Penais.

Nas cartas, Gezildo e Alcinei afirmaram que estavam sendo ameaçados de morte. Gezildo chegou a afirmar que tinha medo de ser assassinado. Já Alcinei foi mais incisivo nas denúncias.

Eles são corruptos e recebem dinheiro da facção criminosa facilitando a entrada de drogas e celulares e também a última fuga no Compaj”, referindo-se a diretores da unidade prisional.

A gestão do Compaj / Complexo Penitenciário Anísio Jobim compete à empresa terceirizada Umanizzare, que administra outros cinco estabelecimentos prisionais no Amazonas e dois em Tocantins.

Em nota, divulgada após a chacina, a empresa informou que o comando das unidades cabe a servidores públicos indicados pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap). Em 2016, o governo amazonense pagou R$ 302,2 milhões à Umanizzare pela gestão do Compaj.

No site do Tribunal de Justiça do Amazonas, há registro de uma petição às 12h36, de 14 de dezembro, que foi reunida ao processo. Os detalhes do processo não podem ser acessados eletronicamente.

Mas, segundo o defensor público Arthur Sant’anna Ferreira Macedo, que defendia Gezildo, trata-se de um pedido para que a Justiça determine que as denúncias sejam apuradas e que Gezildo seja transferido para o Centro de Detenção Provisória (CDP) como forma de o Estado protegê-lo e assegurar sua integridade física.

O Poder Judiciário entrou em recesso seis dias depois, no dia 20 de dezembro, e os pedidos do defensor público não foram analisados. Gezildo, que cumpria pena por furto, e Alcinei, condenado a 60 anos de prisão por matar a própria mãe, um irmão e tentar assassinar o pai, foram mortos no Compaj, nos dias 1º e 2 de janeiro.

Na quinta-feira (5), após retornar de Manaus, onde foi verificar a situação do sistema prisional amazonense, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, declarou que a “responsabilidade visível e imediata” do massacre ocorrido no Compaj é da Umanizzare.

“Basta verificar os fatos para ver que houve falha da empresa. Não é possível que entrem armas brancas e armas de fogo, e que todos saibam antes, pela internet, por meio de selfies de presos. Quem tinha a responsabilidade imediata para verificar essa entrada e a festa de final de ano é a empresa que faz a segurança”, disse o ministro.

Imagens divulgadas após a barbárie mostram presos com armas e aparelhos telefônicos.

Procurado pela reportagem, o juiz Luís Carlos Valois informou, por meio da assessoria do Tribunal de Justiça do Amazonas, que não recebeu em mãos o pedido da Defensoria Pública e os documentos citados, e nem sequer foi procurado pela defesa dos presos para tratar do assunto.

“A Vara de Execuções Penais recebe centenas de documentos diariamente, inclusive de forma eletrônica e, no caso de informações sobre risco de vida de detentos, estes documentos são encaminhados pela Justiça também ao Ministério Público para ciência e manifestação, bem como à Secretaria de Administração Penitenciária do Estado, visando a obtenção de dados relacionados ao apenado”, afirma o juiz.

O trâmite jurídico segue o que determina a Lei de Execução Penal”, acrescenta o juiz, em mensagem enviada à Agência Brasil.

A Presidência do Tribunal de Justiça do Amazonas determinou que os fatos sejam apurados pela Corregedoria-Geral de Justiça, que instaurou procedimento nesta terça-feira (10).

A Umanizzare disse que “está colaborando com as investigações e espera que todos os fatos sejam esclarecidos”. De acordo com a empresa, “são indelegáveis as funções de direção, chefia e coordenação no âmbito do sistema penal, bem como todas as atividades que exijam o exercício do poder polícia”.

A Secretaria Estadual de Administração Penitenciária e a Umanizzare ainda não responderam.

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