O conceituado cientista David Goodall, de 104 anos, viajou da Austrália para a Suíça para morrer por eutanásia. Ele não tem nenhuma doença grave, mas quer morrer porque diz que “está muito velho”.
“Lamento muito ter atingido essa idade”, afirmou David Goodall, prestigiado ecologista e botânico, no seu 104º aniversário, em abril. A declaração foi dada à rede australiana ABC.
“Não estou feliz. Eu quero morrer. Não é propriamente triste. O que é triste é ser impedido de morrer”, referiu Goodall, que só lamenta não poder morrer na Austrália.
A morte medicamente assistida foi legalizada no Estado australiano de Victoria em 2017, após um debate muito polêmico. Mas a lei só entrará em vigor a partir de junho de 2019, e para ter direito à eutanásia, é preciso ser diagnosticado como paciente terminal de alguma doença.
Impedido de morrer na Austrália, Goodall decidiu, então, viajar para a Suíça, onde a eutanásia é legal desde 1942, para acabar voluntariamente com sua vida em uma clínica na cidade de Basel.
“Não tenho dores – vivi uma vida muito boa até recentemente”, disse Goodall, em declarações no Aeroporto de Perth, na Austrália, antes de embarcar para a Europa.
“O último ano foi menos satisfatório porque não podia fazer coisas – não podia viajar, nem sequer podia usar transporte público”, lamentou, justificando seu desejo de morrer com a perda de qualidade de vida.
Sem vontade de viver
O cientista que nasceu em Londres, se aposentou em 1979, mas continuou a trabalhar na sua área de especialização. Nos últimos anos, editou a série de livros “Ecossistemas do Mundo”, de 30 volumes, e aos 101 anos foi nomeado membro da Ordem da Austrália por seu trabalho científico.
Em 2016, com 102 anos, venceu uma batalha para continuar a trabalhar no campus da Universidade Edith Cowan, em Perth, onde fazia pesquisa sem remuneração. Essa disputa teria sido particularmente dura para Goodall que, embora tenha ganhado a causa, acabou forçado a trabalhar mais perto de casa.
Na época, ele pegava dois ônibus e um trem para chegar ao escritório na universidade, quatro dias por semana.
Depois, Goodall foi obrigado a deixar de dirigir e a abandonar o teatro, uma de suas paixões. “Esse foi o princípio do fim“, explicou à BBC a amiga do cientista, Carol O’Neill, que é representante do grupo pró-eutanásia Exit International.
A decisão de Goodall de morrer foi acelerada por uma queda grave em casa, no mês passado. Como vive sozinho, apesar de ter filhos e vários netos, o cientista ficou estendido durante dois dias no chão de seu apartamento, antes de ser socorrido.
Os médicos acabaram por aconselhá-lo a procurar cuidados continuados, durante 24 horas por dia, ou uma casa de repouso onde tivesse atenção permanente. Foi a gota d’água para “um homem independente”, como salientou Carol O’Neill.
“Ele não está depressivo nem infeliz, mas simplesmente não há aquele brilho e aquela vontade de viver, que estavam lá há alguns anos”, acrescentou Carol O´Neill.
Sua filha, a psicóloga clínica Karen Goodall-Smith, considerou na ABC que sem seu trabalho, o pai ficou sem vontade de viver. “Ele não tem controle sobre sua vida, sobre seu corpo, sobre sua vista. Viveu 104 anos muito bons. O que quer que aconteça, qualquer que seja a sua escolha, só cabe a ele”, referiu também Karen Goodall-Smith.
Uma campanha de angariação de fundos, promovida online pela Exit International, conseguiu angariar 12.518 euros (mais de R$ 50 mil) para que o cientista conseguisse voar em 1ª classe para a Europa.
Antes de morrer, Goodall ainda vai visitar familiares na França para se despedir, e será acompanhado por vários membros da família. “A família percebe quanto a minha vida tem sido infeliz em quase todos os aspectos”, conta Goodall à ABC.
“Quanto mais cedo ela acabar, melhor”, acrescentou.
A morte deve acontecer na próxima quinta-feira (10).