Na mira de investigadores da Suíça, Estados Unidos e vários países latino-americanos, a Odebrecht encontrou em Angola um refúgio para as turbulências que enfrenta desde a eclosão da Lava Jato.
No país africano, onde mantém uma de suas maiores operações no exterior, a empresa brasileira constrói duas hidrelétricas, comemora bons resultados na produção de açúcar e lança um condomínio de casas de luxo – tudo sem ser importunada por autoridades locais.
Embora Angola tenha sido citada em delações de executivos da Odebrecht como um dos principais palcos da corrupção praticada pela empresa no exterior, o país – governado desde 1979 por José Eduardo dos Santos – não está investigando a companhia.
A postura contrasta com a de nações como Peru e Colômbia, onde governantes ameaçaram expulsar a empresa após revelações, divulgadas em meio à Lava Jato, de que ela teria subornado autoridades locais.
Nos Estados Unidos e na Suíça, a Odebrecht e a Braskem (petroquímica controlada pela construtora) se comprometeram a pagar multas de até US$ 800 milhões para não serem denunciadas por corrupção.
Colômbia, Peru, Suíça e Estados Unidos estão entre os 32 países que, segundo o Ministério Público Federal (MPF), dialogam com investigadores brasileiros sobre a Lava Jato.
O órgão diz que Ministérios Públicos de 16 nações já pediram informações sobre a operação. Em fevereiro, o MPF se reuniu com investigadores de outro país africano citado nas delações da Odebrecht: Moçambique.
Já Angola – país onde a Odebrecht mantém sua operação estrangeira mais diversificada – jamais fez qualquer contato sobre o tema, segundo o MPF.
Em nota, a Odebrecht diz que a Lava Jato não atrapalhou suas atividades em Angola e que “segue atuando normalmente no país”.
A empresa, no entanto, foi afetada pela suspensão de empréstimos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) a companhias brasileiras que operam em Angola.
Em maio de 2016, o banco deixou de liberar recursos para 25 obras tocadas pela Odebrecht e outras quatro empreiteiras implicadas na Lava Jato (OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez) em Angola e Moçambique.
O bloqueio afetou três das principais obras da Odebrecht em Angola: o Polo Agroindustrial de Capanda e as hidrelétricas de Laúca e Cambambe, que receberiam US$ 808,8 milhões do banco no total.
A decisão gerou um mal-estar entre os dois governos. Em junho, o Executivo angolano enviou uma carta a Brasília pedindo explicações sobre a suspensão.
Na carta, o governo angolano disse que “teve de mobilizar outros recursos e encontrar soluções financeiras alternativas para não interromper os trabalhos”.
Mesmo com a suspensão, a Odebrecht pretende entregar neste ano Laúca, que será a maior hidrelétrica do país, com potência de 2.067 MW (Jirau, uma das maiores usinas construídas no Brasil nos últimos anos, tem 3.750 MW).
A empresa diz que continua a construir a usina de Cambambe, finaliza um condomínio de casas e promove reformas urbanas na capital, Luanda.
No ano passado, a Biocom, uma usina controlada pela Odebrecht, disse ter superado suas metas e alcançado um quinto da produção de açúcar do país.
Empréstimos e laços com autoridades
Abastecida por generosos financiamentos de bancos públicos brasileiros desde que se instalou em Angola, em 1984, a Odebrecht ergueu no país um império empresarial com negócios nos ramos de construção, diamantes, petróleo, biocombustíveis, energia, imóveis, aeroportos e supermercados.
Em alguns empreendimentos, a empresa tem ou já teve como sócios filhos do presidente angolano, o atual vice-presidente e generais.
Para o jornalista angolano e ativista de direitos humanos Rafael Marques de Morais, os laços da Odebrecht com altas autoridades a protegem de questionamentos na Justiça local.
Segundo ele, a empresa não é investigada em Angola “porque nenhuma autoridade se autoinvestigaria”.
No ranking sobre percepção de corrupção da Transparência Internacional de 2016, Angola ocupa o 164° lugar entre 176 países.
O último da lista é a Somália.
Anos Lula
A presença da companhia em Angola se expandiu no governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), quando o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) turbinou os empréstimos a construtoras brasileiras no país.
Numa das cinco ações em que é réu, Lula é acusado de ajudar a Odebrecht a obter um empréstimo fraudulento do BNDES para a obra na usina de Cambambe.
Segundo a Polícia Federal, nesse empreendimento, a Odebrecht subcontratou uma empresa que tem como sócio Taiguara Rodrigues dos Santos, sobrinho de Lula.
O ex-presidente diz que nunca interferiu na concessão de qualquer financiamento do banco.
Propinas em troca de contratos
Angola é um dos 12 países onde, segundo o Departamento de Justiça dos EUA, a Odebrecht confessou ter cometido crimes de corrupção investigados pela Lava Jato.
A empresa negociou um acordo com o órgão e o pagamento de uma multa para evitar ser processada nos EUA.
No documento que detalha o acordo, fechado em dezembro, o Departamento de Justiça afirma que, entre 2006 e 2013, a Odebrecht pagou ou negociou propinas de US$ 50 milhões a autoridades angolanas para obter contratos públicos.
Esses pagamentos teriam rendido US$ 261,7 milhões (R$ 815,33 milhões, aproximadamente) à construtora em retorno.
Angola também foi citada em depoimento do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró à Procuradoria Geral da República.
No depoimento, divulgado em 2016, Cerveró disse que um contrato de US$ 300 milhões (R$ 934 milhões, aproximadamente) entre a Petrobras e a estatal angolana Sonangol para a exploração de campos de petróleo em Angola teria rendido uma propina de R$ 50 milhões para a campanha de Lula à Presidência, em 2006.
O ex-diretor atribuiu a informação ao então presidente da Sonangol e atual vice-presidente angolano, Manuel Vicente.
A Sonangol não respondeu a um questionamento da BBC Brasil sobre o tema.
A embaixada de Angola no Brasil e o governo angolano tampouco responderam questões sobre a Lava Jato e as denúncias contra autoridades locais.
A Odebrecht disse que não se manifesta sobre as acusações de corrupção em Angola, “mas reafirma seu compromisso de colaborar com a Justiça, tanto no Brasil quanto no exterior”.
Para o ativista Rafael Marques de Morais, a divulgação de detalhes sobre o pagamento de subornos a autoridades angolanas teria um grande impacto na próxima eleição presidencial, em agosto.
“Angola é o paraíso da corrupção para empresas brasileiras e portuguesas, que continuam muito bem, mas é questão de tempo até caírem com o regime”, ele diz.
// BBC