O hidrogênio é a nova bola da vez dos combustíveis limpos e o Brasil tem, de antemão, vantagens importantes para se tornar um produtor relevante no cenário internacional. Uma das maiores dificuldades para o desenvolvimento dessa energia é o seu armazenamento – mas o processo pode ser facilitado com o uso do álcool, que já é amplamente utilizado no país.
No início do mês, a França lançou um ambicioso Plano Hidrogênio, que prevê € 7 bilhões em investimentos nos próximos 10 anos para ampliar o uso limpo do combustível. A Alemanha também já se posiciona como candidata a líder mundial do setor.
Em um primeiro momento, os países desenvolvidos se esforçam para neutralizar as emissões de carbono do hidrogênio que já é usado na indústria, mas é obtido depois de um processo de hidrólise com fontes não renováveis de energia.
“Grande parte do hidrogênio produzido no mundo e usado nas refinarias de petróleo ou na indústria alimentícia vem a partir de gás natural, ou seja, basicamente metano. Não é um hidrogênio verde. O hidrogênio barato é esse ‘sujo’”, explica Luiz Augusto Horta Nogueira, pesquisador de bioenergias do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp.
“Se a gente pensa no hidrogênio desejável para uma sociedade com combustíveis limpos, ele precisará ser produzido a partir de energias renováveis, como a eólica e a solar.”
Uso do álcool para transformar hidrogênio em combustível
Outro desafio para a ampla utilização do elemento como combustível para veículos é o seu armazenamento. É aí que entra o potencial do Brasil: uma das maneiras de poder transportá-lo para um carro é com a “ajuda” do álcool.
“O álcool é um cacho de hidrogênio, que eu posso transportar até numa garrafa. Não preciso de pressões elevadas para transformá-lo. Faz sentido produzir álcool a partir do hidrogênio. Eu abasteço o carro com álcool mas não é ele que vai ser queimado”, afirma Nogueira.
“Eu vou retirar o hidrogênio dele, colocar em uma célula de combustível e movimentar o carro. Essas coisas estão ficando cada vez mais viáveis. Os preços e os custos de produção estão caindo. São revoluções energéticas à nossa frente”, diz o pesquisador, que já presidiu a Agência Nacional do Petróleo nos anos 2000.
Meta: neutralizar emissões dos transportes
Na Europa, o objetivo é que, no horizonte de 2050, floresça uma nova geração de carros elétricos movidos a hidrogênio limpo, que poderão neutralizar as emissões dos transportes. A cidade de Le Mans, na França, acaba de lançar às ruas 10 ônibus e seis caminhões de limpeza movidos a hidrogênio.
O plano custou € 21 milhões para se concretizar e inclui um posto equipado com o novo combustível.
“No início do século passado, quando os carros particulares surgiram, eles eram acessíveis a apenas alguns privilegiados. Hoje, é a mesma coisa com os veículos elétricos a bateria”, comenta Valérie Bouillon-Delporte, presidente da Associação Hydrogen Europe. “Os carros elétricos a hidrogênio, quando forem produzidos em grandes quantidades, serão mais baratos do que os carros térmicos que estamos acostumados a usar.”
Aviões a hidrogênio?
As fabricantes de aviões também visualizam o dia em que poderão, enfim, diminuir a pegada de carbono do transporte aéreo, responsável por 3% das emissões mundiais de CO2. A Airbus planeja lançar uma gama de aparelhos movidos a hidrogênio em 2035.
“Sonhamos há muito tempo em construir um avião elétrico, mas não conseguiremos isso porque um avião elétrico, movido a baterias, precisaria de um segundo avião para carregar essas baterias. Embora haja muitos avanços, permanece muito pesado”, constata o consultor em aeronáutica Gérard Feldzer, presidente da organização Aviação Sem Fronteiras.
“Há, então, a possibilidade real do avião a hidrogênio. Ele pode ser utilizado como um gás, a exemplo do que acontece com os foguetes, que funcionam a hidrogênio. Precisaremos de uma adaptação dos motores para a transição, nos próximos anos.”
Feldzer ressalta que os países ensolarados, como os africanos e os tropicais, também levam vantagem por terem mais “matéria-prima” para esse novo combustível. “O hidrogênio é o elemento mais abundante no universo e é o que mantém o sol aceso. O sol é uma massa gasosa de hidrogênio reagindo em fusões e produzindo uma enorme quantidade de radiação, na medida em que esse hidrogênio se converte em hélio”, complementa o pesquisador brasileiro Horta Nogueira.
“É bonito você pensar que quando você abastece o seu carro com álcool ou biodiesel, alguns meses antes esses combustíveis não eram outra coisa senão a luz do sol, o CO2 da atmosfera e água.”
// RFI