Ministros afirmaram que ex-juiz não era imparcial. Julgamento na 2ª Turma é interrompido por pedido de vista de Nunes Marques. “Não se combate crime cometendo crimes”, diz Gilmar.
Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, votaram nesta terça-feira (09/03) para que o ex-juiz Sergio Moro seja declarado suspeito nas ações penais contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que tramitaram na 13ª Vara Federal de Curitiba, sob o argumento de que o ex-magistrado não tinha a imparcialidade necessária para julgar o petista.
A análise do caso foi interrompida após pedido de vista do ministro Nunes Marques, que afirmou precisar de mais tempo para decidir. Os outros dois integrantes da 2ª Turma, Edson Fachin e Cármen Lúcia, já se manifestaram contra a suspeição de Moro, mas ambos ainda podem mudar seu entendimento até o final do julgamento.
O habeas corpus analisado pela 2ª Turma foi impetrado pelos advogados do petista e sua análise estava suspensa desde 2018, quando Gilmar havia pedido vista. O ministro Nunes Marques não tem prazo para devolver o processo para julgamento.
Gilmar e Lewandowski fizeram extensa e contundente crítica a comportamentos de Moro e dos procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato, definidos por Gilmar como o “maior escândalo” da história da Justiça Federal brasileira. Ambos os votos atenderam à demanda do ex-presidente, que chegou a ficar preso por um ano e sete meses e tenta comprovar que seu julgamento não foi justo.
Suspeição x competência
A 2ª Turma retomou a análise do recurso de Lula que pede que o ex-magistrado seja declarado suspeito um dia após o ministro Edson Fachin ter decidido, de forma individual, que Moro não era o juiz competente para analisar as denúncias contra o petista. Fachin anulou as condenações contra o ex-presidente, que recuperou seus direitos políticos, e determinou o encaminhamento de seus processos para a Justiça Federal do Distrito Federal.
A suspeição atesta a parcialidade do juiz para analisar um caso, enquanto a incompetência conclui que o foro para o julgamento não era o adequado. A decisão de Fachin, defensor da Lava Jato, despertou controvérsia no meio político e jurídico porque poderia ter como consequência o não julgamento das ações que pedem a decretação da suspeição de Moro.
Se isso ocorresse, a atuação do ex-juiz e da Lava Jato seria preservada, apesar de vazamento de diálogos de Moro com os procuradores da força-tarefa pelo site The Intercept Brasil terem levantado suspeitas de conluio na condução de inquéritos e ações penais contra diversos réus.
Fachin argumentou que sua decisão desta segunda afastaria a necessidade de julgamento da suspeição de Moro, mas Gilmar discordou e decidiu colocar o processo em pauta na 2ª Turma. Fachin ainda tentou levar a análise do caso para o plenário do Supremo, mas foi derrotado por quatro votos a um.
Críticas à Lava Jato
Em um longo voto, Gilmar afirmou que a força-tarefa da Lava Jato no Paraná, iniciada em março de 2014 e encerrada em fevereiro deste ano, invocou para si indevidamente “um projeto de moralização política” que fez uso da “instrumentalização do processo penal” e da “elevação mítica” de um juiz ao papel de salvador da nação.
Enquanto atuava nos processos da Lava Jato, Moro ordenou prisões sem fundamento legal, interferiu na produção de provas, definiu limites da acusação, selecionou pessoas que deveriam ser denunciadas e atou em conjunto com os procuradores, afirmou Gilmar. “Qualquer semelhança com um processo penal de um regime totalitário não é mera coincidência”, disse. “Não se combate crime cometendo crimes”, afirmou.
A 13ª Vara Federal de Curitiba, segundo Mendes, tinha como estratégia se tornar o “juízo universal para crimes de colarinho branco”, atraindo para si processos que não tinham relação direta com os esquemas de corrupção na Petrobras. O ministro também disse que, para ter sucesso, a Lava Jato se beneficiou de um “conúbio vergonhoso” entre mídia, procuradores e juiz.
Seguindo o mesmo tom crítico, Lewandowski disse que Moro “empreendeu sucessivos atos ilegais”, como antecipar algumas de suas decisões ao Ministério Público e sugerir a inversão de etapas de investigação e estratégias acusatórias, “em ostensiva desconsideração ao sistema acusatório e à regra de paridade entre as partes”.
Lewandowski também afirmou que Moro tinha “ambições políticas” enquanto julgava Lula, e lembrou que o ex-juiz aceitou o convite para se tornar ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro, que venceu uma campanha da qual o petista foi impedido de participar devido às suas condenações na Lava Jato.