As maravilhas que a internet quântica promete são incríveis, mas usar todo o potencial quântico nas comunicações parecia algo muito teórico. Agora, os especialistas acreditam que isto está para mudar.
Além do potencial de fornecer comunicações mais seguras, usando a estranha habilidade da natureza quântica de vincular objetos distantes e teletransportar informações entre eles, a internet quântica poderia, por exemplo, conectar computadores quânticos, ajudar a construir telescópios ultra potentes usando observatórios amplamente separados e estabelecer novas formas de detectar ondas gravitacionais.
Até pouco tempo, porém, usar todo o potencial quântico nas comunicações parecia algo muito teórico. Mas os especialistas acreditam que isto está para mudar. Alguns acreditam que, algum dia, a internet quântica irá desbancar a internet como a conhecemos.
“Eu sou pessoalmente da opinião de que no futuro, a maioria – se não todas – as comunicações serão quânticas”, diz o físico Anton Zeilinger, da Universidade de Viena, que liderou uma das primeiras experiências em teletransporte quântico, em 1997.
Tudo depende dos avanços dos próximos testes e estudos. Neste momento, uma equipe da Universidade de Tecnologia de Delft, na Holanda, está construindo a primeira rede quântica genuína, que irá ligar quatro cidades na Holanda.
O projeto, que será concluído em 2020, poderia ser a versão quântica da ARPANET, a rede de comunicações desenvolvida pelos militares dos EUA no final da década de 1960 que abriu o caminho para a internet que conhecemos hoje.
Enquanto isso, um projeto em escala continental, chamado Quantum Internet Alliance, visa expandir o experimento holandês em toda a europa.
História quântica
A capacidade das partículas quânticas de existir em estados indefinidos – como o famoso gato de Schrödinger, vivo e morto ao mesmo tempo – já é usada há anos para melhorar a criptografia de dados. As primeiras propostas que envolviam este conhecimento quântico na comunicação são da década de 1970.
Stephen Wiesner, então jovem físico da Universidade de Columbia, em Nova York, viu potencial em um dos princípios mais básicos da mecânica quântica, um dos dois Princípios da Incerteza de Werner Heisenberg: é impossível medir uma propriedade de um sistema sem mudá-lo.
Assim como bits de informações convencionais, que são 0s ou 1s, as rotações de átomos isolados podem apontar para cima ou para baixo. O grande segredo das comunicações quânticas é que estes átomos podem estar em ambos os estados simultaneamente. Estas unidades de informação quântica são geralmente chamadas de bits quânticos ou qubits.
Wiesner apontou que, como as propriedades de um qubit não podem ser medidas sem alterar seu estado, é impossível fazer cópias exatas ou “clones” de um qubit. Caso contrário, alguém poderia extrair informações sobre o estado do qubit original sem afetá-lo, simplesmente medindo seu clone.
Esta proibição tornou-se conhecida como não-clonagem quântica, e é uma benção para a segurança, porque um hacker não pode extrair informações quânticas sem deixar rastro.
Inspirados por Wiesner, em 1984, Charles Bennett, cientista de computação da IBM, e Gilles Brassard, da Universidade de Montreal, no Canadá, criaram um esquema engenhoso pelo qual dois usuários poderiam gerar uma inquebrável chave de criptografia que só eles conheciam.
Durante a transmissão das informações de um para o outro, eles podiam medir a chave e estabelecer que a transmissão não havia sido perturbada pelas medidas de um espião.
Em 1989, Bennett liderou a equipe que primeiro demonstrou esta “distribuição de chave quântica” (QKD) experimentalmente. Hoje, os dispositivos QKD que utilizam esquemas similares estão comercialmente disponíveis e são normalmente vendidos para organizações financeiras ou governamentais.
A ID Quantique, por exemplo, uma empresa fundada em 2001 em Genebra, na Suíça, construiu um vínculo quântico que protege os resultados das eleições suíças há mais de dez anos.
Codificação quântica
No ano passado, o satélite Micius, da China, criado pela física Jian-wei Pan, da Universidade de Ciência e Tecnologia da China, realizou algumas das demonstrações mais chamativas desta abordagem.
Usando uma variante do protocolo de Bennett e Brassard, a nave espacial criou duas chaves, enviando uma para uma estação terrestre em Pequim e outra para Viena, quando passou por cima da cidade. Um computador de bordo combinou as duas chaves secretas para criar uma nova, clássica.
Armados com suas chaves privadas, os times de Viena e Pequim puderam chegar a essa chave combinada, subtraindo essencialmente a sua própria, e então aprendendo qual era a chave secreta do outro lugar.
Em setembro passado, Pan e Zeilinger usaram essa abordagem para configurar o primeiro bate-papo intercontinental de vídeo a ser garantido em parte com uma chave quântica.
Satélites como o Micius podem ajudar a enfrentar um dos principais desafios para garantir a comunicação quântica hoje: a distância. Os fótons necessários para criar uma chave de criptografia podem ser absorvidos pela atmosfera ou – no caso de redes terrestres – por uma fibra óptica, o que torna a transmissão quântica impraticável após várias dezenas de quilômetros.
Como os estados quânticos não podem ser copiados, não é uma opção enviar várias cópias de um qubit com a esperança de que pelo menos um chegue. Então, no momento, criar links QKD de longa distância requer a construção de “nós confiáveis” para atuar como intermediários. Satélites de passagem podem reduzir o número de nós confiáveis que são necessários para conectar pontos distantes.
Pan diz que os nós confiáveis já são um passo em frente para algumas aplicações, porque reduzem o número de pontos onde uma rede é vulnerável a ataques. Ele também liderou a criação do extenso backbone de comunicação quântica Beijing-Shanghai.
Lançado em setembro, ele conecta quatro cidades com 32 nós confiáveis usando mais de 2.000 quilômetros de fibra óptica e está sendo testada para comunicações bancárias e comerciais, como a ligação dos centros de dados do gigante chinês da internet Alibaba.
Conexões quânticas
Mas as redes que envolvem nós confiáveis são apenas parcialmente quânticas. A física quântica desempenha um papel apenas na forma como os nós criam a chave de criptografia.
A criptografia e a transmissão subsequentes de informações são inteiramente clássicas. Uma verdadeira rede quântica seria capaz de aproveitar o emaranhamento e a teletransportação para transmitir informações quânticas em longas distâncias, sem a necessidade de nós confiáveis vulneráveis.
Uma das principais motivações para a construção de tais redes é permitir que os computadores quânticos conversem uns com os outros, tanto entre países quanto em um único quarto. O número de qubits que podem ser empacotados em qualquer sistema computacional pode ser limitado, de modo que uma rede de sistemas pode ajudar os físicos a dimensioná-los.
“Neste ponto, é justo dizer que provavelmente você será capaz de construir um computador quântico com talvez um par de centenas de qubits”, diz Mikhail Lukin, físico da Universidade de Harvard em Cambridge, nos EUA. “Mas além disso, a única maneira de fazer isso é usar essa abordagem modular, envolvendo comunicações quânticas”.
Em uma escala maior, os pesquisadores imaginam uma nuvem de computação quântica, com algumas máquinas altamente sofisticadas acessíveis através de uma internet quântica da maioria dos laboratórios universitários.
“A coisa mais legal é que essa computação quântica da nuvem também é segura”, diz Ronald Hanson, físico experimental na Delft. “As pessoas no servidor não conseguem saber qual o tipo de programa que você está executando e os dados que você possui”.
Impacto científico
Os pesquisadores apresentaram uma infinidade de outras propostas para aplicações na Internet – como leilões, eleições, negociações de contratos e negociação de velocidade – que poderiam explorar os fenômenos quânticos por serem mais rápidos ou mais seguros do que seus equivalentes clássicos.
Mas o maior impacto de uma internet quântica pode ser na própria ciência. A sincronização de relógios usando o emaranhamento poderia melhorar a precisão das redes de navegação do GPS de metros a milímetros, dizem alguns pesquisadores.
Lukin e outros propuseram usar o emaranhamento para combinar relógios atômicos distantes em um único relógio com precisão amplamente melhorada, o que ele diz que poderia levar a novas formas de detectar ondas gravitacionais, por exemplo.
Na astronomia, as redes quânticas podem ligar telescópios ópticos distantes em milhares de quilômetros. Este processo, chamado de interferometria de linha de base muito longa, é aplicado rotineiramente na radioastronomia, mas operar em frequências ópticas requer uma precisão de tempo que está atualmente fora de alcance.
Comunicação realmente à distância
A beleza do teletransporte quântico é que a informação quântica tecnicamente não viaja pela rede. Os fótons que viajam são usados apenas para estabelecer um link entre os dados para que a informação quântica possa ser transferida.
Se um par de fotons emaranhados não conseguir estabelecer uma conexão, outro par conseguirá. Isso significa que a informação quântica não é perdida se os fótons se perderem.
Uma internet quântica seria capaz de produzir emaranhamento sob demanda entre os dois usuários em uma rede. Os pesquisadores pensam que isso envolverá o envio de fótons através de redes de fibra óptica e links de satélites. Mas conectar usuários distantes exigirá uma tecnologia que possa ampliar o alcance do emaranhamento – retransmiti-lo de usuário para usuário e ao longo de pontos intermediários.
Felizmente para as pessoas que desejam aumentar as comunicações quânticas, os requisitos para um repetidor podem ser menos exigentes do que aqueles para um computador quântico.
Iordanis Kerenidis, pesquisador de computação quântica da Universidade de Paris Diderot, falou sobre isso em uma oficina sobre repetidores quânticos em Seefeld, na Áustria, em setembro passado.
“Se você diz aos experimentalistas que você precisa de mil qubits, eles vão rir”, disse ele. “Se você lhes disser que você precisa de dez, bem, eles vão rir menos”.
A perspectiva de criar uma internet quântica agora é uma questão da engenharia de sistemas. “De um ponto de vista experimental, as pessoas demonstraram vários blocos de construção para redes quânticas”, diz Tracy Northup, física da Universidade de Innsbruck, na Áustria, cuja equipe trabalha faz parte da Aliança Pan-Européia de Internet Quântica.
“Mas colocá-los em um só lugar – todos nós vemos o quão desafiante é”, afirma.
Alguns pesquisadores advertem contra o excesso do potencial alcance da tecnologia. “A Internet de hoje nunca será inteiramente quântica, nem os computadores serão todos quânticos”, diz Nicolas Gisin, físico da Universidade de Genebra, na Suíça, e co-fundador da ID Quantique.
“Às vezes, algo parece ser uma ótima ideia no início, e então resulta ser facilmente realizável sem um efeito quântico”, diz Norbert Lütkenhaus, físico da Universidade de Waterloo, no Canadá, que está ajudando a desenvolver padrões para o futuro da internet quântica.
Só o tempo dirá se as promessas da internet quântica se concretizarão. Nós sabemos que a teletransportação é um fenômeno que, embora fisicamente possível, não ocorre na natureza, diz Zeilinger. “Então, isso é realmente novo para a humanidade. Pode levar algum tempo”.
// HypeScience / Nature