Após duas décadas de negociações, o Mercosul e a União Europeia (UE) finalmente fecharam nesta sexta-feira (28/06) um acordo comercial entre os dois blocos.
Um anúncio oficial deve ser feito pelos líderes dos dois grupos que participam do encontro do G20 em Osaka, no Japão, mas membros do governo Bolsonaro e líderes europeus e da Argentina já estão celebrando o resultado.
“Momento histórico aguardado há 20 anos: Mercosul e União Europeia assinam acordo comercial”, publicou a conta no Twitter do Ministério da Agricultura brasileiro.
Já o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, escreveu na mesma rede social: “Acordo comercial fechado! Um momento histórico. Em meio a tensões comerciais internacionais, nós estamos mandando um sinal forte de que defendemos o comércio regulamentado. É o maior acordo comercial que a UE já negociou.”
Uma nota conjunta dos ministérios da Economia e Agricultura classificou o acordo de “um marco histórico entre o Mercosul e a UE, que representam, juntos, cerca de 25% do PIB mundial e um mercado de 780 milhões de pessoas“.
“Em momento de tensões e incertezas no comércio internacional, a conclusão do acordo ressalta o compromisso dos dois blocos com a abertura econômica e o fortalecimento das condições de competitividade”, diz a nota.
A comissária para o Comércio da UE, Cecilia Malmström, disse que “o acordo de hoje aproxima a Europa e a América do Sul num espírito de cooperação e abertura”.
“Em países com fortes laços históricos e com mercados relativamente fechados até agora, o acordo vai poupar as empresas europeias de mais de 4 bilhões de euros em taxas aduaneiras – quatro vezes mais do que o nosso acordo com o Japão”, afirmou ela. “Este acordo acrescenta mais quatro países à nossa impressionante lista de aliados comerciais”, disse, em referência a Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) do Brasil também comemorou o acordo e considerou esse pacto comercial como o mais importante já negociado pelo Brasil. “Esse acordo pode representar o passaporte para o Brasil entrar na liga das grandes economias do comércio internacional”, disse em comunicado o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.
Por meio do Twitter, o presidente Jair Bolsonaro, que está no Japão para a cúpula do G20, também celebrou o resultado. “Grande dia!”, escreveu.
Horas antes do anúncio, o presidente da França, Emmanuel Macron, chegou a ameaçar que seu país não assinaria nenhum tratado com o Mercosul caso o governo Bolsonaro se retirasse do Acordo de Paris sobre o clima. Mas a comitiva brasileira sinalizou depois aos franceses que o país deve continuar no acordo.
Em seu comunicado sobre o pacto comercial, os europeus afirmaram que o tratado prevê “o princípio de prevenção para a segurança alimentar e às regras ambientais e contém compromissos específicos sobre direitos trabalhistas e proteção ambiental, incluindo a implementação do acordo climático de Paris”. Dessa forma, o Brasil terá que permanecer no acordo se quiser manter o tratado com os europeus.
Termos do acordo
A maior parte dos detalhes do acordo ainda não foi divulgada, mas o governo brasileiro apontou que ele deve abranger bens – incluindo setores industrial e agrícola –, serviços, investimentos, propriedade intelectual, compras governamentais e barreiras técnicas.
O documento firmado ainda prevê que mais de 90% das exportações do Mercosul terão tarifas zeradas pela UE na próxima década. O restante das exportações terá reduções parciais, com cotas de importação – ainda não está claro os limites dessas cotas. Para os países do Mercosul, os prazos de transição nos seus setores mais sensíveis variam de 10 a 15 anos.
Entre os produtos brasileiros que devem ter as tarifas eliminadas estão suco de laranja, frutas e café solúvel. “Os exportadores brasileiros obterão ampliação do acesso, por meio de quotas, para carnes, açúcar e etanol, entre outros. As empresas brasileiras serão beneficiadas com a eliminação de tarifas na exportação de 100% dos produtos industriais”, diz a nota divulgada pelo governo brasileiro.
“Em compras públicas, empresas brasileiras obterão acesso ao mercado de licitações da UE, estimado em 1,6 trilhão de dólares. Os compromissos assumidos também vão agilizar e reduzir os custos dos trâmites de importação, exportação e trânsito de bens.”
Nos últimos anos, a questão dos produtos agrícolas vinha sendo um dos principais empecilhos para o avanço do acordo. Os brasileiros e argentinos queriam mais acesso ao mercado europeu, mas vários governos da UE temiam um efeito desestabilizador no setor agrícola de seus países. Os brasileiros, por sua vez, se mostravam resistentes com a entrada de produtos industriais europeus e a vontade do bloco de ingressar com mais peso no setor de serviços do Brasil.
Para destravar esses pontos, o acordo prevê um calendário. Os europeus devem eliminar tarifas, mas vão estabelecer cotas de importação para vários produtos agrícolas. Já o Mercosul vai estabelecer um cronograma, que pode se estender por uma década, para eliminar várias tarifas de produtos europeus.
O Ministério da Economia do Brasil estima que o acordo vai representar um aumento do PIB brasileiro de 87,5 bilhões de dólares em 15 anos, podendo chegar a 125 bilhões de dólares se considerada a redução das barreiras não tarifárias. Ainda segundo a área econômica, o aumento de investimentos no Brasil nesse período pode alcançar 113 bilhões de dólares graças ao acordo comercial.
O secretário de Relações Econômicas Internacionais da Argentina, Horacio Reyser, publicou um vídeo do momento em que negociadores dos dois blocos concluíram as negociações, em Bruxelas.
Reação europeia
O acordo entre Mercosul e UE é o maior já negociado pelos europeus, ultrapassando tratados semelhantes firmados entre os membros do bloco e o Japão e o Canadá.
Os europeus apontaram, em nota, que o acordo vai ajudar a aumentar as exportações europeias para “produtos que enfrentavam tarifas altas ou algumas vezes até proibitivas”, entre eles automóveis (que hoje têm tarifas de 35%) e autopeças (14-18%). Os europeus também afirmaram que o setor agrícola da UE deve ser beneficiado, em especial com a redução de tarifas para produtos como chocolate (hoje com tarifa de 20%), vinho (27%) e lacticínios, como queijos (28%).
Ainda segundo a UE, o acordo prevê que os países do Mercosul se comprometem a garantir que uma lista de 357 produtos alimentícios europeus de “alta qualidade” com indicações de origem não seja limitada pelos sul-americanos. A lista inclui queijos e cervejas, entre outros produtos.
As negociações para um acordo que contemplasse descontos nas tarifas dos produtos negociados entre os blocos ficaram emperradas por 20 anos. Em 2004, os dois blocos chegaram a trocar propostas, mas a iniciativa fracassou diante da discordância sobre a natureza dos produtos e serviços que seriam englobados no acordo. A partir de 2010, no entanto, as negociações foram retomadas e passaram a ganhar mais força em 2015.
Mesmo com as dificuldades para se chegar a um pacto nos últimos anos, o comércio entre os dois blocos aumentou de maneira constante. Em 2014, as trocas comerciais chegaram a 267 bilhões de dólares, saindo de um patamar de 90 bilhões de dólares em 2004, ano em que a troca de ofertas fracassou.
Em 2018, só o Brasil realizou um comércio de 76 bilhões de dólares com a União Europeia, e as exportações brasileiras para o bloco totalizaram 18% do total exportado pelo país.
O Mercosul vende para a UE principalmente produtos agrícolas, que representam 43% das exportações. O bloco europeu, por sua vez, exporta sobretudo equipamentos industriais e de transporte, que representam 46% das vendas externas.
Em 2014, alguns países do Mercosul, entre eles o Brasil, chegaram a considerar contornar algumas das regras do bloco e negociar separadamente com a União Europeia por causa de uma série de empecilhos impostos pela Argentina como condição para retomar as negociações. Um consenso entre os países do bloco só ocorreu quando Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil finalmente acertaram a entrega de uma proposta conjunta.
Agora, após o acordo político, o texto deve ser submetido a uma avaliação jurídica e traduzido para os idiomas de ambos os blocos antes da assinatura final, que precisa ser dada, no caso da UE, por todos os seus países-membros. Este requisito não é trivial, considerando-se o contexto atual da Europa. Em 2016, a região belga da Valônia quase inviabilizou a ratificação do acordo comercial alcançado com o Canadá.