Eles voltaram. Os movimentos que foram às ruas para pedir o impeachment de Dilma Rousseff comandam as manifestações de hoje contra os deputados que alteraram o pacote anticorrupção enviado pelo Ministério Público Federal.
O Vem Pra Rua (VPR), que participou ativamente da divulgação das medidas, é o principal organizador do ato que se concentra na orla de Copacabana, e que tem o apoio do Movimento Brasil Livre (MBL), que ganhou fama durante o Fora Dilma/Fora PT e agora se dedica a malhar o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
O Vem Pra Rua se coloca “contra o jeito corrupto de fazer política”, mas defende que essa luta seja travada em clima democrático, em textos no Facebook. Apesar disso, terá o reforço de grupos favoráveis à intervenção militar, que no protesto em São Paulo terão espaço privilegiado na Avenida Paulista.
O Movimento Brasil Livre, com liderança dos jovens Kim Kataguiri, estudante de Direito, e Fernando Holiday, vereador eleito de São Paulo pelo DEM, também esteve à frente dos atos contra Dilma e PT. Com ideias voltadas para o enxugamento da máquina pública, eles defendem o Estado mínimo e o livre mercado.
Nas redes sociais, o grupo viralizou ao usar uma linguagem jovem, cheia de ‘memes’, para conquistar os insatisfeitos com o governo petista. Holiday, de 19 anos, ao ser eleito, disse que vai lutar contra o “vitimismo” de negros e homossexuais, apesar de ser ele mesmo negro e homossexual. Também é contra as cotas raciais e o movimento LBGT.
É a primeira vez que MBL e VPR organizam protestos contra parlamentares — antes, eram muito focados no antipetismo da luta pela retirada de Dilma do poder.
A medida mais criticada pelos grupos é o destaque apresentado pelo deputado Weverton Rocha (PDT-MA) que prevê punição por abuso de autoridade a juízes e membros do Ministério Público Federal.
Entre os que votaram a favor, estão representantes do PSDB, do DEM e do PTN, partidos pelos quais integrantes do MBL, que se diz apartidário, concorreram — e se elegeram — em pleitos municipais deste ano.
Também na defesa de um Estado menor e “livre da corrupção”, o Vem Pra Rua conquista adeptos desde a campanha pelo impeachment. Com forte apelo por uma ideia de “Brasil unido”, o movimento tem o juiz federal Sérgio Moro, comandante da Lava Jato, como representante máximo do que quer para o país.
No entanto, os interesses e o discurso do VPR não explicitam um viés expressivo do movimento: as relações com o mundo empresarial, as obscuras fontes de financiamento suspeito e acusações de que têm envolvimento com legendas partidárias.
Considerado suprapartidário e supostamente financiado por doações, o grupo já teve de se explicar mais de uma vez por causa de contradições.
Liderado pelo empresário Rogério Chequer, que passou anos trabalhando com negócios milionários nos Estados Unidos, o VPR é acusado de ter relações estreitas com o PSDB — o líder já apareceu em fotos com José Serra e Fernando Henrique Cardoso.
‘Precisam vocalizar o que a população quer ouvir’
Para o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, o papel desses movimentos é o de dar voz a uma insatisfação nacional e à defesa da Lava Jato.
“Se começam a desconfiar de que o MBL vai fazer vista grossa por problemas do PMDB, ele perde a legitimidade. A multidão não está lá para apoiar o MBL nem o VPR. São um meio de tentar, minimamente, organizar o protesto e vocalizar uma insatisfação do Brasil. Eles só são fortes se disserem o que a população quer ouvir”, diz.
Ismael analisa com cautela as diferenças que separam os movimentos. “São movimentos que, na verdade, têm pautas diferentes. O MBL tem uma postura mais próximo ao governo Temer, enquanto o VPR parece ser mais independente.”
Em comum, como os protestos apontam, está o sentimento de apoio à Lava Jato, mesmo com as contradições. “Existe hoje um sentimento, uma preocupação de que políticos investigados possam estar dentro do Congresso articulando uma operação para desarticular a Lava Jato”, aponta o professor.
Quem são MBL e VPR
Movimento Brasil Livre
O movimento ganhou fama ao organizar e participar ativamente das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff.
Na ocasião, se aliou a muitos parlamentares que apoiavam a retirada da presidente, entre eles o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e as bancadas evangélica e ruralista.
As pautas do MBL têm como foco a defesa do Estado mínimo e do livre mercado. Na atual conjuntura, é a favor da agenda econômica proposta por Michel Temer: apoia a PEC 55 (a “PEC do Teto”, antiga 241) e as reformas trabalhista e da Previdência.
Se dizia apartidário, mas um de seus líderes, Fernando Holiday, concorreu a vereador pelo DEM, em São Paulo, e foi eleito.
Principais líderes: Kim Kataguiri, estudante de Direito, cofundador e figura mais conhecida do movimento; e Fernando Holiday, vereador eleito de São Paulo pelo DEM.
Movimento Vem para Rua
Autoproclamado como movimento “suprapartidário, democrático e plural”, o Vem Pra Rua surgiu no final de 2014 com o intuito de lutar contra a “grave situação econômica, política e social” do país.
Participou das manifestações pró-impeachment de Dilma Rousseff. Deseja um país “livre da corrupção e um Estado desinchado e eficiente.” É comandado por jovens do ramo empresarial e acusado de ser financiado por empresas milionárias.
Apesar de se dizer apartidário, seu coordenador foi visto em vários encontros com políticos do PMDB. Seu principal líder é Rogério Chequer, um empresário que passou anos nos Estados Unidos trabalhando com negócios milionários.
VPR e os empresários
O envolvimento de Chequer com o empresariado norte-americano Robert Citrone já rendeu aparição, sem grandes detalhes, em lista do WikiLeaks, site responsável por expor tramoias secretas do governo daquele país. Ele era sócio de Citrone, que aparece na lista de mais ricos do mundo da revista Forbes.
Outra relação suspeita do Vem Pra Rua é com o empresário Jorge Paulo Lemann, dono da gigantesca Ambev e homem mais rico do Brasil. O site do movimento teria sido criado pela Fundação Estudar, que pertence a Lemann.
Na época, a empresa alegou ter sido uma confusão: um diretor responsável pela fundação teria feito, de modo independente, o trabalho, mas usando o CNPJ da Escolar.
Atos do MBL bancados por partidos
Áudio obtido pelo site Uol em maio deste ano mostrou que os protestos marcados pelo MBL na luta pelo impeachment foram financiados por partidos. PSDB, PMDB, Solidariedade e DEM estavam envolvidos.
Nas últimas eleições municipais, o movimento assumiu a veia político-partidária e botou, por meio de legendas diferentes, adeptos de suas bandeiras para concorrer a vereador em várias cidades.
Além de Fernando Holiday, o site do MBL lista hoje mais oito parlamentares que o representam: sete vereadores e um deputado federal. A maioria é do PSDB, mas também tem do PV, PRB, PEN e DEM.
// Agência BR