Presidente e premiê do Mali são presos por militares amotinados

O presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, e o primeiro-ministro, Boubou Cissé, foram detidos por militares que estão amotinados desde a manhã desta terça-feira (18/08).

“Podemos dizer que o presidente e o primeiro-ministro estão sob nosso controle. Prendemos os dois em suas casas“, disse à agência de notícias AFP um dos líderes do motim, que pediu anonimato. Outros membros do governo também teriam sido detidos, mas não foram identificados.

Enquanto a comunidade internacional condena o que chama de tentativa de golpe de Estado no Mali, não está claro quem está no comando do país no momento. Ao longo do dia, a sede da televisão estatal ORTM foi evacuada, e o canal foi tirado do ar.

Imagens da imprensa internacional mostram militares sendo recebidos com festa por manifestantes antigoverno, que há meses exigem a renúncia do presidente Boubacar Keita. Após as notícias das prisões, milhares de pessoas saíram às ruas no centro da capital maliana, Bamako, para comemorar o que seria a queda do presidente.

“Mais e mais pessoas estão se reunindo na Praça da Independência para apoiar o movimento M5-RFP, que exige a renúncia do presidente e do premiê. Elas parecem apoiar o Exército, mas não está claro quais são as demandas dos militares“, relatou Mahamadou Kane, correspondente da DW.

O motim teve início no quartel de Kati, descrito como o maior do Mali pela imprensa africana, a cerca de 15 quilômetros de Bamako. Os militares rebeldes assumiram o controle da unidade e das ruas adjacentes durante a manhã, antes de se dirigirem em comboio para o centro da capital, segundo relatos de jornalistas.

Em Bamako, os militares foram aplaudidos por manifestantes favoráveis à renúncia do presidente no Monumento à Independência, na praça central de Bamako, epicentro dos protestos que abalam o Mali há vários meses. Em seguida, teriam se dirigido para a residência do presidente Boubacar Keita, segundo um correspondente da AFP.

Tropas rebeldes teriam cercado a residência particular do chefe de Estado durante a tarde e disparado tiros no ar, antes de levarem o líder em custódia. Em seguida, os soldados foram vistos se movimentando livremente pelas ruas de Bamako.

Reação internacional

A situação no país gerou uma onda de preocupação internacional. O chefe da ONU, António Guterres, exigiu a “libertação imediata e incondicional” do presidente do Mali e de membros de seu governo. “O secretário-geral condena veementemente essas ações e pede a restauração imediata da ordem constitucional e do Estado de direito no Mali”, disse um porta-voz em comunicado.

O Conselho de Segurança da ONU deve realizar uma reunião de emergência sobre a crise na tarde de quarta-feira, segundo diplomatas em Nova York. A reunião foi solicitada pela França e pelo Níger e acontecerá a portas fechadas, afirmou um diplomata da ONU à AFP sob condição de anonimato.

Por sua vez, o presidente da Comissão da União Africana (UA), Moussa Faki Mahamat, criticou a detenção dos chefes de Estado e de governo e pediu sua libertação imediata. “Condeno veementemente qualquer tentativa de alterações inconstitucionais e apelo aos amotinados para pararem toda a violência e respeitem as instituições da República”, escreveu no Twitter.

Mahamat ainda apelou à Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao), às Nações Unidas e “toda a comunidade internacional” para que “conjuguem eficazmente os seus esforços para evitar o uso de força” no Mali.

A Cedeao, que tem promovido um diálogo entre governo e manifestantes que exigem a destituição dos dois líderes, mostrou-se preocupada com os acontecimentos no Mali. Em comunicado, a entidade apelou aos militares para que “regressem sem demora” ao seu quartel e pediu a todas as partes que “deem prioridade ao diálogo para resolver a crise política” no país.

As preocupações também chegaram a Bruxelas. O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, alertou que um golpe de Estado “nunca é a solução” para as divergências num país. “A União Europeia acompanha de perto o que se passa no Mali. Um golpe de Estado nunca é a solução para uma crise, por mais profunda que seja”, escreveu no Twitter.

O alto representante da UE para Política Externa, Josep Borrell, também considerou que essa “de maneira alguma pode ser a resposta à profunda crise sociopolítica” que tem afetado o Mali, frisando que Bruxelas tem estabelecido contatos para “compreender melhor a situação”.

O governo da França também reagiu condenando o motim. Numa declaração, o ministro francês do Exterior, Jean-Yves Le Drian, indicou que o seu país recebeu “com preocupação” a notícia do que parecia ter sido uma tentativa de golpe de Estado. “A França reafirma firmemente o seu total empenho na soberania e democracia do Mali“, disse Le Drian.

Os Estados Unidos, através de seu enviado ao Sahel, Peter Pham, se opuseram a qualquer mudança de governo que não cumpra a Constituição maliana. “Estamos acompanhando com preocupação o desenvolvimento da situação no Mali. Os EUA opõem-se a qualquer mudança de governo inconstitucional, quer seja pelos que estão nas ruas, quer pelas forças de defesa e segurança.”

Crise no Mali

O súbito motim marcou a escalada dramática de uma crise de meses no frágil país da África Ocidental. Um dos catalisadores foi a invalidação, no final de abril, de cerca de 5,2% dos votos expressos nas eleições legislativas. A decisão anulou os resultados provisórios de 31 dos 147 assentos no Parlamento e acabou por aumentar a representação do partido de Keita em dez lugares.

A decisão, aliada a fatores como o clima de instabilidade e insegurança sentido nos últimos anos no centro e norte do país, a estagnação econômica e a prolongada corrupção instigaram várias manifestações contra o presidente.

Ibrahim Boubacar Keita foi eleito em 2013 e reeleito em 2018 para mais cinco anos. A coligação M5-RFP, composta por grupos da oposição e da sociedade civil, o acusa de ter falhado na sua missão como presidente e apelou várias vezes à sua saída do poder.

A M5-RFP organizou os primeiros protestos em massa antigoverno em 5 e 19 de junho. Em 10 de julho, ocorreu a terceira grande manifestação, apontada como a mais violenta desde 2012. Segundo o governo, 11 pessoas morreram em três dias. A ONU, por sua vez, contabiliza 14 manifestantes mortos, enquanto o M5-RFP relata 23.

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