Guerrilheiro brasileiro é capturado na Ucrânia

(dr) Forças Armadas da Novarrúsia / BBC

Rafael Marques Lusvarghi, ex-professor de inglês chegou a ser preso ao participar de protestos contra a Copa do Mundo de 2014

Capturado na sexta-feira (4) em um convento em Kiev, o brasileiro Rafael Marques Lusvarghi está preso pelas forças de segurança da Ucrânia.

Autointitulado ex-guerrilheiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), ele também já atuou como policial militar em São Paulo, foi ativista e membro da Legião Estrangeira e esteve preso em diversas ocasiões no Brasil e no exterior.

Em 2014 e 2015, ele lutou no leste da Ucrânia defendendo as forças separatistas apoiadas pela Rússia, que chocaram o mundo ao tentar se apropriar de parte da Ucrânia.

A captura de Lusvarghi foi transmitida ao vivo no Facebook por Serhii Filimonov, um ativista nacionalista ucraniano que participou da ação orquestrada pelas forças de ultra-direita Batalhão Aznov e C14, na sexta.

As imprensas local e internacional também registraram o momento e publicaram no youtube cenas em que o brasileiro aparece sendo detido e levado à força para a sede da inteligência estatal.

No momento da captura, Lusvarghi estava abrigado em um monastério nos arredores da capital Kiev porque não podia deixar o país. Ele fora condenado a 13 anos por terrorismo e recrutamento de mercenários e ainda tinha pendências judiciais.

Após invadir o monastério e deter Lusvarghi, os membros dos movimentos de direita o levaram à cidade e o arrastaram pelas ruas até entregá-lo às forças de segurança do país. O serviço de segurança ucraniano elogiou a “postura ativa” dos captores e prometeu lidar com o caso “dentro do domínio da lei”.

Conforme apurou o serviço ucraniano da BBC, Lusvarghi deverá ter uma audiência com um juiz na próxima segunda-feira, dia 7, às 15 horas do horário local (à meia-noite de domingo no horário de Brasília).

Em um dos vídeos da captura, é possível ver os nacionalistas exaltados, gritando com Lusvaghi, dando tapas no seu rosto e exigindo que ele se arrependesse por ter se envolvido no conflito.

Em um outro trecho, Rafael é questionado: “Diga-me quais são os seus pecados e o que você não vai mais fazer”. “Lutar é errado”, responde Lusvarghi. “O que você veio fazer aqui?”, indaga o nacionalista.

“Eu vim aqui para ajudar, mas de fato não ajudou. Deixou as coisas piores”, parece reconhecer o guerrilheiro latino-americano. O ucraniano então exige que o brasileiro se retrate e peça desculpas, ao que Lusvarghi responde: “me perdoem pelo meu mau comportamento contra o povo de vocês”, lamenta em russo fluente.

Apesar da violência demonstrada nas imagens, o Itamaraty informou à BBC que o ex-guerrilheiro passa bem. Ele “está em segurança”, depois de ter sido muito hostilizado durante sua captura.

As autoridades brasileiras dizem que estão acompanhando os últimos desdobramentos da situação do brasileiro e “prestando toda a assistência cabível ao nacional”, informaram diplomatas próximos do caso.

Membros do Batalhão Azov e do grupo ultranacionalista de direita C14 são considerados brutos na forma como exercem poder. “Muitos os veem por agressivos e extremos”, explica a chefe do escritório da BBC em Kiev, Nina Kuryata.

Figura polêmica

Rafael Lusvarghi é uma figura polêmica, que já se envolveu em situações de confronto e foi detido anteriormente no Brasil e Ucrânia. Na Copa de 2014, ele participou de protestos contra o evento esportivo, entrou em confronto com a polícia mais de uma vez e ficou preso por mais de 40 dias.

Em uma manifestação na avenida Paulista, ele se destacava entre os manifestantes por vestir um kilt – saia escocesa. Naquela época, ele se declarava simpatizante do PMDB e aparecia ao lado do político Paulo Skaf em sua página do Facebook.

Ex-policial militar que serviu em São Paulo, ele se autointitula ex-guerrilheiro das Farc e da Legião Estrangeira (força armada francesa) – grupo notório por ser uma tropa de elite que se mobiliza e participa de conflitos em várias partes do mundo. A força abriga soldados mercenários de diversas nações em seus batalhões e é conhecida por ser misteriosa e violenta.

Não está claro quais foram as motivações de Lusvarghi para se engajar nesses grupos. Não há confirmação sobre se ele foi à Colômbia apoiar os revolucionários por ideologia, ou também se alistou-se à legião francesa por interesses puramente mercenários.

Antes da mudança à Ucrânia, ele afirmava querer apoiar a causa separatista porque desejava se sentir “útil”. No Brasil ele atuava como professor de inglês e prometeu se engajar no conflito para combater o “fascismo” dos nacionalistas.

Foi por volta de setembro de 2014 que Lusvarghi chegou à Ucrânia para atuar junto às forças separatistas russas, que lutam nas regiões de Donetsk e Luhansk, leste do país. As forças atuam pela conquista de autonomia à região e almejam estabelecer repúblicas populares que sejam internacionalmente reconhecidas.

Logo, ele se tornou garoto propaganda do movimento separatista aparecendo em vídeos montando e disparando armamentos pesados. Além de falar português e inglês, Lusvarghi é fluente em russo, o que auxiliou na assimilação cultural e lhe rendeu fama e popularidade entre os militantes.

“Ele disse que usaram ele como garoto propaganda, para dar uma imagem de legitimidade ao movimento”, explica Roman Lebed, correspondente da BBC baseado em Kiev. “É semelhante ao que fazem os ativistas do Estado Islâmico, que colocam os estrangeiros para defender o prestígio da causa“. Junto ao brasileiro, guerreiros belgas, holandeses e escandinavos também se envolveram no conflito.

Entrevistas de Lusvarghi ainda podem sem encontradas em sites europeus que propagandeiam o movimento separatista.

Em um texto divulgado em janeiro de 2015 no blog sueco “Operação Novorossiya”, ele declara ter um “grande amor” pela mãe Rússia e diz que, se não fosse pela “ajuda humanitária” russa, a população do leste da Ucrânia estaria “morrendo de fome e sem medicamentos”.

O guerrilheiro disse em entrevistas anteriores que sua família descende de Belarus (ex-república socialista da Bielorrússia) e que há muito tempo seus antepassados emigraram para o Brasil. “Essa guerra também é pela minha pátria mãe”, argumentou.

No verão europeu de 2015, o brasileiro abandonou o front após ser ferido, retornando à América Latina em seguida. Para capturá-lo da primeira vez, as forças de segurança ucranianas montaram uma armadilha, atraindo-o novamente a Kiev com uma falsa oferta de emprego.

Quando ele aterrissou em outubro de 2016 na capital, imediatamente foi detido pelas autoridades. “Eu não era uma figura veterana na região de Donbas”, se defendeu Lusvarghi em entrevista à RFE, Radio Free Europe. “Eu era bucha de canhão”, lamentou por ter sido pego.

Lusvarghi foi condenado por criar uma organização terrorista e recrutar mercenários. Ele chegou a ficar 14 meses na cadeia, até ser inesperadamente liberado em dezembro, segundo informações da RFE.

Sua condenação foi derrubada por um segundo tribunal, que invalidou o primeiro processo por erros técnicos, mas a recomendação era de que ele deveria ter permanecido detido, aguardando por novo julgamento.

Apesar de ter lutado com os separatistas, ele disse ter mudado de opinião em entrevista concedida à RFE de dentro da prisão em março de 2017. “Havia pessoas realmente más em Donbas. Não posso minimizar isso… elas estavam muito orgulhosas do que fizeram no aeroporto de Luhansk”.

A batalha no aeroporto internacional se arrastou por várias semanas em 2014 e foi vencida pelos separatistas. Diversos civis e militantes morreram e o prédio ficou completamente em ruínas. “Foi uma barbárie”, disse Rafael no vídeo.

Ele também contou se incomodar com os comentários racistas dos separatistas, que chamavam sul-americanos de “macacos”, disse. Nas imagens filmadas na cadeia ele aparece com ar de menino, já sem a barba e o cabelo longo que marcavam a sua fisionomia nos tempos de ação.

Depois de solto, buscou abrigo no monastério, deixou o cabelo crescer novamente e começou a estudar o cristianismo ortodoxo. O brasileiro parecia estar bem, vivendo uma rotina discreta e simples. Certamente mais confortável que na prisão. Diariamente, ele lia a Bíblia e ajudava na cozinha com os afazeres da comunidade cristã, até a última quinta-feira.

O refúgio do brasileiro de 33 anos veio à tona na semana passada quando o site da RFE publicou uma matéria indicando o paradeiro dele. No dia seguinte, ativistas de direita foram ao local para fazer justiça com as próprias mãos e o detiveram. A BBC tentou sem sucesso contatar o família de Lusvarghi em São Paulo.

(dr) Forças Armadas da Novarrúsia / BBC

Lusvarghi (esq.) posa com a bandeira brasileira ao lado de rebeldes pró-Rússia, em 2014

Conflito

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o conflito que já se arrasta há mais de quatro anos causou a morte de pelo menos 10 mil pessoas e deixou 200 mil feridos. Atualmente, 3,4 milhões de ucranianos necessitam de ajuda humanitária, sendo que mais de 1,4 milhão tiveram de abandonar suas casas por causa da violência.

O complexo problema se resume a uma disputa de influência entre o ocidente e a Rússia, por meio de apoio a atores e movimentos locais. Embora manifestações e confrontos tenham ocorrido em diversas partes do território ao longo dos anos, o front separatista se concentra na região de Donbas, no leste do país, que engloba Donetsk e Lugansk.

O movimento separatista que atua nessa região recebe apoio logístico russo, enquanto forças nacionalistas do governo contam com o suporte dos países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Em março de 2014, a Rússia anexou a Crimeia após um referendo vencido por separatistas, visto como uma farsa pelo Ocidente. Em 2014 e 2015, acordos de paz foram assinados em Minsk, mas o cumprimento tem sido problemático.

No final de 2017, ocorreu uma grande troca de prisioneiros entre Kiev e Moscou. Rafael Lusvarghi esperava ter sido incluído na troca, mas acabou ficando de fora.

Em janeiro passado, o parlamento ucraniano aprovou lei que classifica as regiões rebeldes como ocupações temporárias da Rússia e classifica o país de Vladimir Putin como “estado agressor”.

A Rússia tenta mascarar seu envolvimento atribuindo intenção humanitária às incursões que faz no território ucraniano. Embora o combate esteja suspenso, ataques, agressões e mortes fazem parte da rotina de Donbas.

“Às vésperas da posse de Vladimir Putin para mais um mandado como presidente russo, o conflito parece longe de ter um fim“, resume Lebed.

Ciberia // BBC

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