Milhares de mulheres e meninas sobreviventes do Boko Haram, que estão em campos de desalojados na Nigéria, têm sido alvo de abusos sexuais das forças de segurança que afirmam tê-las salvado, denuncia a Anistia Internacional (AI).
Em um relatório divulgado nesta quinta-feira (24), intitulado “Eles nos traíram: Mulheres que sobreviveram ao Boko Haram estupradas, com fome e presas na Nigéria”, a Anistia Internacional revela como o Exército nigeriano e a Civilian Joint Task Force (Força Civil Conjunta) – uma milícia que trabalha com o Exército – separaram as mulheres dos maridos e as confinaram em remotos “campos-satélite” onde têm sido estupradas muitas vezes para que tenham acesso à comida.
A AI recolheu provas de que, desde 2015, milhares de pessoas morreram de fome nos campos do Estado de Borno, no nordeste da Nigéria, sendo possível ver, em imagens captadas por satélite, o rápido aumento de tamanho do cemitério, confirmando testemunhos que referiam entre 15 a 30 mortes por dia durante meses.
“É absolutamente chocante que pessoas que já haviam sofrido tanto sob o domínio do Boko Haram tenham sido condenadas a mais abusos horrendos dos militares nigerianos: em vez de receberem proteção das autoridades, mulheres e meninas têm sido obrigadas a se submeter a estupros para não sucumbirem à fome“, disse a diretora da organização na Nigéria, Osai Ojigho, citada pela organização, em comunicado.
Em alguns casos, os abusos parecem ser parte de um padrão de perseguição de qualquer pessoa que tenha alguma ligação ao grupo terrorista, tendo algumas mulheres relatado que responsáveis das forças de segurança as espancaram e lhes chamaram “esposas do Boko Haram” quando reclamaram do tratamento a que estavam sendo sujeitas.
Quando o exército da Nigéria recuperou território dos extremistas em 2015, ordenou às pessoas que viviam em áreas rurais que se deslocassem para os campos-satélite, em alguns casos matando indiscriminadamente aquelas que ficaram nas suas casas.
Das centenas de milhares de pessoas que fugiram ou foram obrigadas a abandonar essas zonas, todas passaram, na entrada nos campos-satélite, pelo crivo dos militares, que separaram rapazes e homens das mulheres e meninas, coagindo-as depois, usando da força, ameaças e da escassez de alimentos, tornando-as suas “namoradas”, o que significava estarem sempre ao dispor para sexo, como muitas relataram.
“A exploração sexual continua em níveis alarmantes, enquanto as mulheres permanecem desesperadas por obter comida suficiente e condições de sobrevivência”, denuncia a AI no relatório.
Muitas das mulheres entrevistadas já tinham perdido filhos e outros familiares devido à falta de comida, água e cuidados de saúde nos campos e indicaram ter muito medo de recusar as exigências de sexo.
“Sexo nestas circunstâncias altamente coercivas é sempre estupro, mesmo quando não é usada força física, e os soldados nigerianos e os membros da Força Civil Conjunta têm escapado impunes”, sublinhou Osai Ojigho.
Segundo a responsável da anistia na Nigéria, os estupradores “agem como se não corressem o risco de serem punidos, mas os perpetradores e seus superiores que permitiram que tal acontecesse cometeram crimes, à luz do direito internacional, e devem ser responsabilizados”.
Mesmo nos locais onde o governo nigeriano e as organizações não-governamentais internacionais distribuem comida, a corrupção em grande escala tem impedido as pessoas de terem acesso a ela.
“Confinar as pessoas a campos sem comida suficiente, apesar de quem administra os campos saber que as condições estão causando mortes, viola os direitos humanos e o direito internacional humanitário. Aqueles que deixaram isso acontecer poderão ser condenados por assassinato“, frisou Osai Ojigho.
Por último, a anistia deixa um apelo ao presidente nigeriano para que aja. “É tempo de o presidente Buhari demonstrar seu empenho na proteção dos direitos humanos das pessoas deslocadas no nordeste da Nigéria. A única forma de acabar com esses estupros horríveis é pondo fim ao clima de impunidade na região e garantindo que ninguém que cometa um estupro ou um assassinato escape”.
Segundo a responsável, cabe às “autoridades nigerianas investigar – ou divulgar suas investigações anteriores – sobre crimes de guerra e contra a humanidade no nordeste” do território.
“Devem ainda, com urgência, assegurar, com o apoio de governos doadores, que as pessoas que vivem nos campos-satélite recebam alimentação adequada e que aqueles que estão arbitrariamente detidos em instalações militares sejam libertados”, concluiu.
Ciberia, Lusa // ZAP