Cuba tem um tipo de internet muito especial. Poucas pessoas têm acesso à rede mundial de computadores por ser muito cara. Por isso, semanalmente, é entregue em mão uma coleção de sites e programas de entretenimento através de pen drives e discos rígidos portáteis.
Até recentemente, apenas 5% da população cubana tinha acesso à internet. Nos últimos dois anos, o acesso tem aumentado, mas não da forma mais comum e que todos nós estaríamos à espera. Apesar do acesso caro, há uma proliferação cada vez maior do conteúdo multimídia, adquirido de várias (e originais) maneiras em todo o país.
Uma internet informal e onipresente. Assim podemos caracterizar o El Paquete Semanal, uma coleção de conteúdo digital de um terabyte, compilada por indivíduos que lançam semanalmente o conteúdo e o distribuem manualmente pelo país, através de pen drives ou discos rígidos, de porta a porta.
O El Paquete Semanal inclui uma enorme variedade de conteúdos, desde programas de televisão locais e internacionais a filmes, vídeos do YouTube ou revistas e notícias. Segundo o site Medium, um terabyte com toda essa quantidade de material é vendido por cerca de R$ 20.
Em um ambiente tecnologicamente restrito, o sistema é fortemente dependente de uma estrutura humana que garante a entrega da internet offline às pessoas que estão interessadas em acessar os conteúdos.
Assim, há três grupos de pessoas que mantêm o sistema operacional, facilitando o acesso offline de forma regular e acessível sem a sanção do governo.
Los Maestros, ou mestres, compilam o terabyte de conteúdo todas as semanas; Los Paqueteros distribuem, editam e produzem conteúdo adicional e La Gente, ou o povo, consome, compartilha e cria também o próprio conteúdo.
Essa divisão de tarefas mostra que a infraestrutura humana desempenha um papel fundamental na sustentação e no crescimento do El Paquete (EP), oferecendo uma versão única da internet, onde ela não existiria de outra forma.
O El Paquete é, além disso, personalizado a cada tipo de cidadão, com suas preferências e gostos a ocuparem o terabyte de informação e entretenimento. É, por isso, um serviço completamente personalizado, fator de diferenciação que a tecnologia nem sempre consegue substituir.
Além de entretenimento, a informação e o conteúdo educacional também ocupam um importante lugar no El Paquete. E, para nossa surpresa, o sistema se revelou também como uma internet participativa, dado que é uma rede de informações disseminada e localmente relevante em termos de conteúdo e entrega.
É acrescido ainda o fato de muito do conteúdo do El Paquete ser único, já que os consumidores podem também disseminar o próprio conteúdo no El Paquete Semanal – como é o caso de Maria, que publica a sua revista nessa internet revolucionária do país, conta o Medium.
Mas nem tudo é um mar de rosas, e no que toca à internet esse cenário é cada vez mais afastado. O El Paquete Semanal enfrenta também suas próprias limitações, como o fato de necessitar de uma mão de obra significativa para poder sustentar a rede.
Além disso, e à semelhança do que acontece com a maioria dos sistemas sociotécnicos, há estruturas de poder em jogo dentro do EP, e estruturas de poder em jogo que atuam sobre o sistema.
O conteúdo é moldado, por exemplo, por regulamentações governamentais, como o fato de não poder ser disseminada pornografia ou discursos contra o governo.
Isso significa que, apesar de “livre” aos nossos olhos, o El Paquete Semanal não deixa de ser sujeito à política de informação. Esse tipo de internet também não fornece aos cubanos tudo o que querem, como a capacidade de poder se comunicar em tempo real com pessoas de todo o mundo.
Não é perfeito, mas existe e funciona. No fundo, o El Paquete oferece a capacidade de ver a internet com outros olhos, como um sistema que também precisa de vários indivíduos para resultar. De pessoas, para pessoas (mesmo que a tecnologia surja pelo meio).
LM, Ciberia // ZAP