O meio jornalístico francês foi abalado nesta semana pela descoberta de um grupo online de profissionais da área dedicado à perseguição, com piadas de mulheres e minorias nas redes sociais.
Diversas vítimas decidiram relatar suas experiências e, nesta segunda-feira (11), o jornal Libération, de esquerda, anunciou a suspensão de dois de seus jornalistas, acusados de terem atuado durante anos como membros da “gangue” virtual. Eles se autoproclamaram a “Liga do LOL”.
Entre 2000 e 2010, os jornalistas agrediram verbalmente diversas mulheres nas redes sociais, que agora decidiram revelar o caso e provocar um debate sobre o abuso de poder quando se tem visibilidade numa plataforma como Twitter.
Tudo começou com um grupo Facebook, criado pelo jornalista Vincent Glag, que escreve para o Libération, onde cerca de 30 pessoas, em sua maioria homens brancos, faziam piadas sobre mulheres feministas ou militantes antirracistas influentes na internet. Os participantes eram jornalistas, blogueiros ou publicitários.
De acordo com o podcaster Henry Michel, a “Liga do LOL” tinha a intenção de produzir “piadas que não podíamos fazer em público”. “Era divertido, besta, tinha esse lado de um observatório dos personagens do Twitter. Compartilhávamos links, fotos, fazíamos piada das pessoas”, explica.
O caso chocou o meio jornalístico na França por revelar a hipocrisia de certos profissionais que, ao invés de apoiarem lutas por uma sociedade melhor, usavam a plataforma a qual tinham acesso para atacar, denegrir e zombar de colegas militantes. Alguns membros do grupo, como Alexandre Hervaud, disseram que não fazem as mesmas piadas e que “mudaram”.
Em defesa das vítimas, a jornalista Iris KV retrucou que “mudar é bom”, mas exigiu um pedido de desculpas oficial da parte dos agressores. Ela publicou uma mensagem a “todos os membros da ‘Liga do LOL’, que agrediam feministas, indivíduos com problemas mentais, etc. Vocês se esqueceram, mas as pessoas que sofreram têm uma memória melhor”.
Vários depoimentos surgiram
“Durante diversos anos no Twitter, eu e outras amigas feministas fomos alvo desses caras parisienses que tiravam onda da nossa cara”, disse Daria Marx ao Libération.
“Eu era gorda e, por isso, não tinha o direito de falar. Um dia, um dos membros dessa ‘Liga’ pegou uma imagem pornográfica de uma menina gorda e loira, que poderia vagamente se parecer comigo, e a compartilhou dizendo ter encontrado minha ‘sextape’”, conta.
“Eles eram absolutamente infames no Twitter”, revela Nora Bouazzouni, jornalista do site FranceInfo. “Fui atacada com insultos, montagens fotográficas, GIFs pornográficos com minha cara e e-mails anônimos”, declara.
“Um desses personagens, que fazia parte do grupo, com quem tive uma relação, me fez acreditar que tinha AIDS para me assustar. São loucos”, desabafa a repórter Capucine Piot.
Mélanie Wanga, cofundadora do podcast Le Tchip – que fala sobre “a experiência negra”, segundo o site do projeto – também acusou “A Liga do LOL” de atacar, além das feministas, as pessoas LGBT e militantes antirracistas.
“Imaginem ser uma jornalista preta, falar de ‘blackface’, de apartheid e ter que ver coisas como essas 20 vezes por dia pelos ‘colegas’ durante vários dias”, disse Mélanie em um tuite onde ela mostra imagens de mensagens dos membros do grupo menosprezando ou zombando de seu trabalho.
Consequências para a carreira
As acusações contra os membros da “Liga do LOL”, fatos ocorridos antes de 2013, já prescreveram, levando em conta o prazo para crimes de cyberbullying, que é de seis anos na França.
Marlène Schiappa, secretária de Estado encarregada da Igualdade de gênero e da Luta contra as discriminações, disse que tentaria propor um prolongamento desse período. A punição para esse tipo de delito é de € 30.000 e pode chegar a €45.000 e três anos de prisão se a vítima for menor de idade ou vulnerável.
Mas a revelação do grupo de “perquisição online” já provocou consequências para alguns. O Libération suspendeu Alexandre Hervaud e Vincent Glad – esse último também perdeu sua colaboração com a Brain Magazine. Já o estúdio de podcast Nouvelles Ecoutes demitiu o jornalista Guilhem Malissen.
// RFI