Existem 32 pessoas no mundo que são literalmente alérgicas à agua, ficando com irritações e inchaços quando estão em contato com este líquido. Rachel, que vive no Reino Unido, é uma dessas pessoas.
Rachel acorda e quando bebe um copo de água tem a sensação de estar bebendo um suco feito à base de urtigas. Quando começa a chover, é sinônimo de um dia estragado. Ver pessoas nadando numa piscina e se juntar a elas é algo totalmente impensável. Não se trata de nenhuma bizarra realidade alternativa. É assim o mundo de Rachel Warwick, uma britânica alérgica à água que vê um banho relaxante ou um mergulho no mar como alguns dos seus piores pesadelos.
Qualquer contato com a água, incluindo o seu próprio suor, deixa a britânica com irritações, inchaços e coceira que podem durar horas.
“É como se eu tivesse corrido uma maratona. Fico cansada e tenho de me sentar para recuperar a energia. É horrível, mas se eu chorar as coisas só pioram porque a minha cara incha”, explica Rachel à BBC.
Esta doença é conhecida como urticária aquagênica e só existem 32 pessoas em todo o mundo que padecem desta doença.
Apesar do corpo humano ser composto pelo menos por 60% de água, isso não parece ser um problema porque esta reação só aparece em contato com a pele e em certas situações relacionadas com a temperatura, pureza ou salinidade da água.
“Quando as pessoas sabem que tenho este problema, fazem perguntas do tipo ‘Como é que você faz para comer ou beber?’ ou ‘Como é que você toma banho?’. A grande verdade é que tenho de aguentar a dor e seguir com a minha vida”, explica.
O que é a urticária aquagênica?
Esta doença confunde tanto os cientistas como qualquer comum mortal. Tecnicamente, esta doença não é uma alergia, como por exemplo ao pólen ou aos amendoins, mas antes uma reação imunológica despertada pelo próprio corpo.
Uma das primeiras teorias para explicar a doença é que a água interage com a camada mais externa da pele, composta maioritariamente por células mortas e uma substância oleosa que mantém a pele húmida. O contato com a água pode fazer com que esses componentes libertem compostos tóxicos, levando a uma reação imunológica. No entanto, especialistas também sugerem que a água simplesmente pode dissolver elementos químicos na camada da pele morta, fazendo com que penetrem em camadas mais profundas, onde causam a tal reação imunológica.
Porém, a teoria mais utilizada continua a ser a de que esta doença acontece por causa das diferenças de pressão que acionam por osmose o alarme imunológico quando a água deixa a pele.
Rachel tinha 12 anos quando foi diagnosticada com a doença, depois de ter notado uma irritação na pele enquanto nadava.
A solução
Sobreviver com a urticária não é um problema, mas suportá-la todos os dias é uma história bem diferente. Por exemplo, em períodos de muita chuva, Rachel não pode sair de casa. Atividades banais como lavar a louça têm de ser feitas pelo marido e só pode tomar banho uma vez por semana. Para minimizar o suor, Rachel utiliza roupas leves, evita fazer exercício e bebe muito leite (a reação não é tão má comparado com a água mas ninguém sabe o porquê).
Por enquanto, o tratamento disponível é feito à base de anti-histamínicos. Na teoria, este medicamento devia funcionar sempre, mas na prática não é isso que acontece.
Em 2014, Rachel esteve em Berlim, no ECARF, um centro alemão de estudos de alergias. Os médicos testaram uma dose maior do remédio e, posteriormente, pediram à britânica que nadasse numa piscina. “Comecei a me coçar que nem uma louca e parecia que tinha uma doença horrível na pele”, lembra.
Porém, desde 2008 que o ECARF está estudando uma alternativa aos anti-histamínicos, concentrando-se em vez disso nos mastócitos – que podem acionar a produção de histaminas. Estudos em laboratório encontraram um culpado: o anticorpo IgE, responsável por alergias como ao pólen ou a pelo de animais.
“Em vez de reagir a algo do mundo exterior, estas pessoas estão produzindo IgE em resposta a algo que está acontecendo no interior do seu corpo”, explica Marcus Maurer, dermatologista e fundador deste centro.
Então, tudo o que precisavam era de uma substância que pudesse bloquear os efeitos desse anticorpo. E a verdade é que já há um no mercado: Omalizumab.
Esse medicamento foi desenvolvido para o tratamento da asma e o laboratório que o produzia “nem quis acreditar quando pedimos para usá-lo”, explica.
Em agosto de 2009, os médicos testaram o Omalizumab numa mulher de 48 anos que sofria outra forma rara de urticária, provocada pela pressão.
Durante três anos, a paciente desenvolvia irritações na pele ao mínimo toque como, por exemplo, quando se vestia ou se penteava. Depois de uma semana de tratamento, os sintomas diminuíram sensivelmente. Um mês depois, desapareceram.
Desde então, os cientistas descobriram que este medicamento é eficaz contra as formas mais obscuras da urticária, o que deveria ter representado um final feliz para Rachel. No entanto, como esta substância ainda não passou por todos os testes clínicos necessários, não pode ser financiada pelos sistemas de saúde públicos britânicos.
Sem essa ajuda do Estado, Rachel não pode se submeter a este tratamento porque representa uma despesa médica de milhares de euros por mês.
Por isso, pelo menos por enquanto, a britânica vai ter de esperar para realizar o sonho de poder voltar à natação ou dançar debaixo da chuva.
ZAP / BBC