Coronavírus empurra Cuba de volta à crise

Apesar de a covid-19 estar sob controle no país, os problemas econômicos têm se agravado, e a já difícil situação de abastecimento se torna mais crítica. Segundo semestre deve ser ainda pior na ilha caribenha.

Cuba retorna lentamente ao normal. Em todo o país observa-se os efeitos dos primeiros afrouxamentos das restrições impostas para conter a disseminação do coronavírus, o que inclui, a partir desta sexta-feira (03/07), também a capital, Havana. Dentro do cronograma do governo, está previsto um retorno “gradual e assimétrico” em três fases.

Em contraste com muitos países da região, Cuba conseguiu controlar bem o coronavírus com uma estratégia de rastreamento ativo de infectados e isolamento de seus contatos. Até o domingo passado havia apenas 43 casos ativos de covid-19 na ilha. No total, 2.348 cubanos foram infectados com o novo vírus até esta quarta-feira, e 86 morreram de complicações.

“O governo reagiu bem, mas as restrições estão durando demais“, aponta Yolanda Reyes Peña. Antes do coronavírus, a jovem de 24 anos, que vive em Havana com a mãe e o irmão mais velho, trabalhava como manicure num salão de beleza particular.

No inicio, ela encarou o confinamento como uma pausa bem-vinda e passou a viver de suas economias. Agora, porém, ela teme menos o vírus, sua maior preocupação passou a ser quando poderá voltar a trabalhar e qual será seu salário. “O pior é a incerteza“, comenta.

Mas essa incerteza pode até aumentar: “Mesmo antes do coronavírus, a economia cubana já tinha problemas consideráveis, principalmente no pagamento de suas dívidas externas”, explica o economista Ricardo Torres Pérez, do Centro de Estudos da Economia Cubana (CEEC) da Universidade de Havana. “A pandemia afeta setores importantes, como o turismo, mas também as transferências financeiras do exterior”, além disso há o embargo dos EUA.

Queda do turismo e a Libreta

O que mais abala a já problemática economia cubana é o colapso, “uma das fontes de renda mais importantes para Cuba”, afirma Yedi López-Cotarelo, de 47 anos, que trabalha como guia turístico há 12 anos. “Desde que Cuba fechou suas fronteiras, não tenho mais trabalhado. Atualmente não tenho nenhuma outra fonte de renda“. Ele também vive de suas economias.

A indústria do turismo alimenta muitos no país, sobretudo indiretamente. “Até mesmo eu, um simples artesão, me beneficio do turismo”, diz Gerardo Bauza (nome modificado), do Centro Habana. “Afinal, meus produtos também são comprados por turistas. Agora, sem turismo, não vendo nada.” Desde o começo da epidemia, o carpinteiro de 58 anos e a família de quatro dependem do salário de sua filha, que trabalha no setor de saúde.

Enquanto isso, a situação de abastecimento, já difícil antes do coronavírus, continua se deteriorando. “A população cubana vive os efeitos de uma escassez de bens de consumo de todos os tipos, no momento até de gêneros de primeira necessidade, como remédios e alimentos. Ainda não estamos numa situação como a do início dos anos 90, mas obviamente existe uma situação econômica muito complexa”, explica o economista Pérez.

“Nós, cubanos, passamos quase toda a epidemia em filas“, conta López-Cotarelo, que tem que esperar diante das lojas de três a quatro vezes por semana, para comprar frango, pasta de dente, óleo de cozinha ou carne moída.

As longas filas são vistas como o principal foco de possíveis infecções. Para não expor a si e à mãe a tal perigo, Reyes compra “de revendedores”, como chama os atravessadores, que “vendem tudo duas a três vezes mais caro do que numa loja”.

Na crise de abastecimento, uma antiga ferramenta vem ganhando importância: a Libreta. Trata-se de uma caderneta de racionamento que desde o início dos anos 60 regula o acesso a alimentos subsidiados e alguns outros bens para as famílias cubanas. Como o país não tem como financiar uma ajuda governamental bilionária, os livretos de racionamento são um meio de distribuir uniformemente os escassos recursos, diante da falta de abastecimento.

“Eu cresci com a Libreta. Hoje, aos 58 anos, bato palmas para ela”, comenta Bauza. “Afinal agora ficou claro para mim quão necessário e justo é esse sistema. Todo mundo recebe uma certa quantidade de arroz, feijão, óleo de cozinha, café, frango. Tudo é controlado através da Libreta”, explica o carpinteiro, exclamando: “Abençoada seja a Libreta!”.

López-Cotarelo tem uma visão semelhante: “A Libreta ajuda todas as famílias em Cuba. De certa forma, é um alívio saber que a Libreta faz com que haja vários produtos subsidiados”.

O caderninho se tornou um símbolo da estratégia cubana para tempos de crise. O governo, no entanto, não deverá incluir nele tudo o que é escasso, diz Pérez, ressaltando o caráter temporário e flexível das medidas. “A ideia do governo não é expandir a Libreta como um mecanismo de distribuição.” Em vez disso, ela deverá ser substituída por um mecanismo que leve em consideração as diferenças de renda, pois “é muito ineficiente dar a todos a mesma quantidade de tudo”.

Tempos ainda mais duros pela frente

Mas outros passos são mais importantes no momento. Dada a atual crise econômica, é evidente para Pérez “que o governo deve agir”. Como possíveis estratégias, ele menciona uma flexibilização do setor privado, a fim de tornar a economia doméstica mais dinâmica, além de “medidas para reduzir a escassez”, como flexibilizar as importações e expandir a produção agrícola.

Para o economista, a falta de divisas acarretará uma ampliação da oferta de produtos e serviços pagos com cartões em moeda estrangeira, como o dólar. A queda do turismo e das transferências de dinheiro dos cubanos no exterior deverão agravar ainda mais os problemas econômicos, acrescenta Pérez, para quem novas sanções do governo Trump e a má situação econômica na Venezuela vão resultar num segundo semestre ainda mais problemático para a economia cubana.

Apesar da situação difícil, Havana decidiu só abrir o país aos turistas de forma gradual. A primeira fase mirou a retomada do turismo nacional. Na segunda, desde 1º de julho, também visitantes estrangeiros poderão voltar a passar férias em Cuba, mas apenas nos cayos do norte e sul do país, e mediante um rigoroso protocolo de higiene. Os aeroportos também permanecerão fechados para voos comerciais até pelo menos 1º de agosto.

“Provavelmente vou ter que procurar outra coisa”, considera López-Cotarelo, pensando no futuro, “porque no momento não há como viver do turismo internacional”.

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