Projeto de estrada cortando parque das cataratas de Iguaçu ameaça outras áreas de proteção pelo Brasil

Uma das paisagens naturais mais impressionantes do Brasil e reconhecida pela Unesco, o Parque Nacional do Iguaçu, que abriga as cataratas, no Paraná, pode ser cortado ao meio por uma rodovia asfaltada – em uma iniciativa que abre um precedente perigoso para outras áreas protegidas do país.

O caráter de “urgência” do Projeto de Lei 984, prevendo a abertura de uma “estrada-parque” em um trecho de 18 quilômetros, recém foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pode ir a votação em plenário nas próximas semanas.

A chamada Estrada do Colono foi aberta ilegalmente em 1955 e fechada 46 anos depois por decisão judicial. Desde então, em duas ocasiões, parlamentares paranaenses já tentaram reativar o caminho, alegando os benefícios econômicos que a rodovia traria para a região. Atualmente, o parque impõe um desvio de 180 quilômetros para ligar as cidades de Serranópolis do Iguaçu e Capanema.

Agora, é a vez do deputado federal Nelsi Conguetto Maria (PSD-PR), aliado do presidente Jair Bolsonaro e conhecido como “Vermelho”, retomar a proposta.

O parlamentar, dono de uma construtora que atua no Estado, defende a criação de uma nova categoria, a estrada-parque, para viabilizar a obra. Ele não atendeu aos pedidos de entrevista da RFI.

A aceleração dos trâmites na Câmara mobilizaram ambientalistas e estudiosos contrários ao projeto, como a bióloga Angela Kuczach, diretora executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação. “Quando ele propõe a criação da categoria estrada-parque, ele está mexendo na estrutura do sistema das Unidades Nacionais de Conservação, da lei 9985 de 2000. É um baita retrocesso naquilo que a gente tem de mais sagrado, quando falamos em proteção de patrimônio natural”, afirma a pesquisadora paranaense.

Texto não prevê planejamento de preservação ambiental

O contexto em que a rodovia apareceu, nos anos 1950, não existe mais: o oeste paranaense era coberto por Mata Atlântica, devastada nas décadas seguintes. “Sobrou apenas a pequena área do parque, na fronteira com Paraguai e Argentina. Essa estrada corta exatamente o coração do parque, onde a biodiversidade é mais rara, mais especial, mais frágil e precisa ser melhor protegida”, lamenta Angela.

Ela ressalta que não se trata de uma reabertura, mas da construção de um novo caminho, já que o original já foi recoberto pela floresta tropical e inclusive árvores ameaçadas de extinção.

“O texto do projeto de lei não traz uma única medida de mitigação dos impactos ambientais. Ele fala apenas de abertura e asfaltamento de uma estrada. O precedente é muito sério, ao permitir a abertura de rodovias dessa natureza em todas as unidades de conservação do Brasil”, destaca a bióloga.

Em parecer sobre o projeto, no ano passado, o Ministério Público estadual alertou sobre a inconstitucionalidade do texto, pelos riscos ambientais e por afrontar o “regime jurídico especial de proteção do bioma Mata Atlântica” – a área representa a última grande reserva da mata no interior do país.

Refúgio de onças-pintadas ameaçado por caçadores

As obras e a exploração da estrada gerariam desmatamento em um dos biomas mais ameaçados do planeta, único refúgio de onças-pintadas no sul do Brasil. O novo acesso facilitaria a entrada no local de operadores ilegais, como caçadores de animais selvagens e extratores de palmito e outros produtos da mata, que hoje são mais protegidos justamente por serem dificilmente acessíveis.

A fauna também estaria ameaçada por atropelamentos ao cruzar a estrada e, para algumas espécies, pela separação gerada pela rodovia. Outro ponto evocado por Angela é que, ao contrário do que afirma o deputado “Vermelho”, as estradas-parques que existem mundo afora jamais dividiram um patrimônio natural, mas sim foram integradas à margem destes espaços.

“O deputado ‘Vermelho’ coloca como se fosse uma estrada ecológica. Como uma estrada que desmata Mata Atlântica, dentro de um dos parques nacionais símbolos de beleza do mundo, vai ser ecológica? Nunca poderá ser”, observa.

“E a consequência disso é mais danos à imagem do Brasil no exterior, o risco de perder o título de patrimônio natural da humanidade da Unesco – lembrando que o fechamento da estrada era uma das prerrogativas exigidas pela Unesco nos 1980, quando ela ainda estava aberta e era ilegal.”

A batalha judicial pela legalização da estrada já foi definida pela corte mais alta do país, o Supremo Tribunal de Justiça, há 20 anos. Ou seja, não cabem mais recursos.

Em visita ao Paraná em março, o presidente Bolsonaro prometeu apoio ao projeto de lei: disse que “se depender de nós, a licença ambiental vai ser dada”, porque a obra “ajudaria ao turismo”. Acrescentou que “durante muitos anos, usaram a questão ambiental para inviabilizar e isolar pedaços do Brasil”, que agora o governo federal “quer integrar”.

// RFI

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