Talibãs clamam vitória no Vale do Panjshir, única província afegã que o grupo ainda não dominava. Líderes da resistência negam derrota e dizem que as forças de oposição seguem lutando.
Os talibãs anunciaram nesta segunda-feira (06/09) que tomaram o controle do Vale do Panjshir, ao norte de Cabul, último reduto de resistência anti-Talibã no Afeganistão e única província não tomada pelo grupo fundamentalista islâmico durante sua ofensiva no mês passado.
Testemunhas locais relataram, sob condição de anonimato, que milhares de combatentes talibãs invadiram oito distritos do Vale do Panjshir durante a madrugada.
“A província de Panjshir caiu completamente nas mãos do Emirado Islâmico do Afeganistão”, afirmou o porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, em mensagem no Twitter, acrescentando que alguns combatentes da resistência foram mortos em batalha, e outros fugiram.
“Com esta vitória e os mais recentes esforços, nosso país saiu do espiral de guerra, e nosso povo terá uma vida feliz em paz e liberdade em todo o país”, completou.
Em coletiva de imprensa em Cabul, o porta-voz disse ainda que o Talibã enviou seus militantes para “lutar” no Vale do Panjshir pois as forças de resistência locais “rejeitaram o diálogo”.
Mujahid garantiu à população de Panjshir – que em sua maioria é de etnia diferente dos talibãs e que resistiu ao grupo durante seu primeiro regime, entre 1996 e 2001 – que não haveria “ato discriminatório” contra os locais. “Eles são nossos irmãos e trabalharão juntos para um propósito comum e o bem-estar do país”, afirmou o porta-voz.
A resistência ao Talibã se formou nessa região logo após a tomada de poder em Cabul pelo grupo, em meados de agosto. Ela é liderada pelo vice-presidente do governo deposto, Amrullah Saleh, e por Ahmad Massoud, filho do lendário combatente anti-Talibã Ahmad Shah Massoud, morto dois dias antes dos ataques terroristas de 11 de Setembro nos Estados Unidos.
Imagens publicadas nas redes sociais mostram membros do Talibã em frente ao portão do complexo do governo em Bazarak, capital da província, após lutarem ao longo do fim de semana contra combatentes da chamada Frente de Resistência Nacional do Afeganistão (NRFA), liderada por Massoud. A veracidade das imagens não pôde ser confirmada.
Mais cedo, o Talibã afirmara que suas forças haviam chegado à capital Bazarak e capturado grandes quantidades de armas e munições.
Resistência diz que vitória é falsa
Ali Maisam Nazary, chefe de relações exteriores da NRFA, por sua vez, afirmou que a declaração de vitória do Talibã é falsa e que as forças de oposição seguem lutando. “Estamos presentes em todas as posições estratégicas ao longo do vale e continuamos a luta”, disse Nazary no Facebook.
No domingo, Massoud havia dito que a frente de resistência estava aberta a iniciar negociações de paz e apelou ao Talibã para que encerrasse sua ofensiva.
Em postagem no Facebook, o líder da NRFA afirmou que o grupo, que inclui ex-membros das forças de segurança afegãs e milícias locais, estaria preparada para parar de lutar se o Talibã encerrasse seus ataques. Mas não houve resposta dos talibãs.
O número exato de mortos nos combates no Vale do Panjshir não é conhecido, mas ambos os lados relataram vítimas. No domingo, a NRFA informou que seu principal porta-voz, Fahim Dashti, morreu durante os combates com os talibãs. Dashti havia sobrevivido ao ataque suicida que matou Ahmad Shah Massoud em 9 de setembro de 2001.
Província resistiu a ocupações
O Vale do Panjshir (“literalmente vale dos cinco leões”) tem representado um papel militar decisivo na história afegã, pois sua localização geográfica o isola quase inteiramente do resto do país. O único acesso é por uma estreita passagem criada pelo rio Panjshir, um gargalo fácil de defender militarmente.
A maior parte dos 150 mil habitantes da região é da etnia tadjique, enquanto os talibãs são majoritariamente pachtos.
O vale é, além disso, conhecido por suas esmeraldas, que no passado serviram para financiar a resistência contra os governantes. Antes da tomada do poder pelo Talibã, a província de Panjshir exigia insistentemente mais autonomia do governo central.
O vale preservou sua independência tanto durante a ocupação pela União Soviética (1980-1985) como no primeiro domínio talibã (1996-2001). Ao longo do governo sustentado pela Otan em Cabul de 2001 a 2021, ele era uma das regiões mais seguras de todo o país.