Falta de recursos leva UERJ a parar pesquisas e laboratórios

Fernando Frazão / Agência Brasil

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Depois que o Conselho Universitário da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) divulgou um comunicado sobre a possibilidade de interromper as atividades nas diversas unidades acadêmicas e administrativas, devido à falta de pagamento dos salários, bolsas e verbas de custeio, o reitor da instituição, Ruy Garcia Marques, divulgou essa terça-feira (10) uma carta enviada ao governo em que afirma que o estado está “forçando o fechamento da universidade”.

No documento, chamado “A UERJ e o Futuro do Rio de Janeiro”, Marques destaca a situação precária de funcionamento da universidade após os atrasos em pagamentos e repasses de verbas. Os salários dos professores e técnicos, além do pagamento a alunos bolsistas, estão atrasados desde novembro. O reitor afirma que “desprezar o ensino superior, a pós-graduação e a pesquisa é apostar na miséria, na violência e num futuro sem perspectivas positivas”. O reitor diz ainda que “forçar o fechamento da UERJ é não pensar no futuro de nosso estado e de nosso país“.

Assinado também pela vice-reitora, Maria Georgina Muniz Washington, e com o apoio de diversos ex-dirigentes, o texto afirma que “a UERJ está sendo sucateada, numa absoluta falta de visão estratégica por parte dos governantes do nosso estado, a quem incumbe o financiamento de uma universidade pública e inclusiva como a nossa”.

O texto destaca que a UERJ é atualmente a 11ª colocada em qualidade entre as 195 universidades brasileiras e a 20ª da América Latina, segundo o ranking da Times Higher Education de 2016. O reitor ressalta ainda que a insituição tem bons resultados na inserção de seus alunos no mercado de trabalho e em produção científica.

“São cerca de 35 mil alunos em seus cursos de graduação, nas modalidades presencial e de ensino a distância, mais de 4 mil em cursos de mestrado e doutorado, cerca de dois mil em cursos de especialização e 1,1 mil nos ensinos fundamental e médio (Instituto de Aplicação – CAp-UERJ). Além do Campus Maracanã, dispõe-se em 13 unidades externas, constituindo seis campi regionais espalhados pelo estado do Rio de Janeiro, colaborando com seu desenvolvimento regional”.

A UERJ também é responsável pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), um dos maiores do Rio de Janeiro, pela Policlínica Piquet Carneiro (PPC) e pela Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI).

“Fica clara, portanto, a importância da UERJ no cenário educacional de nosso estado, bem como seu impacto positivo para a nossa economia, preparando recursos humanos muito qualificados para as áreas da indústria, da tecnologia, do comércio, da educação, da saúde e da pesquisa avançada”, ressalta a carta.

Pesquisas e laboratórios parados

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) organiza anualmente um vestibular concorrido, é pioneira em ações afirmativas e tem três programas de pós-graduação com nota máxima da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação. A tradição e o prestígio da instituição, no entanto, têm convivido com falta de recursos, que vem paralisando trabalhos e pode desmotivar jovens pesquisadores.

Segundo o sub-reitor de Pós-graduação e Pesquisa da UERJ, Egberto Moura, R$ 32 milhões aprovados para pesquisas em 2016 não foram repassados via Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), o que tem levado laboratórios e grupos de pesquisa a suspenderem atividades.

“As coisas estão começando a parar em graus variados. Alguns laboratórios também têm recursos de agências federais e estaduais [de outros estados], mas está ficando muito difícil, porque o grande financiador da pesquisa no Rio de Janeiro é a Faperj”, afirma o sub-reitor. “A gente teme que esse pessoal novo que trabalha em áreas de ponta se desmotive e comece a sair da universidade”.

Governo do Estado

A Secretaria de Estado de Fazenda reconhece que, “em meio à gravíssima situação financeira do estado”, foi repassado 65% do orçamento total da UERJ em 2016.

“Como o salário de dezembro e o décimo terceiro salário ainda não foram pagos para a maioria do funcionalismo público do Estado do Rio de Janeiro, encontram-se pendentes de pagamento R$ 212,4 milhões em pessoal, que representam 18,9% do orçamento total da UERJ. Em custeio e investimento, ficaram pendentes de pagamento R$ 83,9 milhões, que representam apenas 7,5% do orçamento total da universidade”, diz a nota da secretaria.

Sobre a Faperj, a secretaria informou que o valor pago pela fundação à pesquisa em diversas instituições foi de R$ 445,9 milhões em 2015 e de R$ 267,5 milhões até novembro de 2016. O órgão não detalhou quanto desses recursos eram da UERJ e qual deveria ter sido o repasse.

O governo do estado informou que a demanda da UERJ seria respondida pela Secretaria de Fazenda (Sefaz). De acordo com a pasta, os funcionários estatutários da UERJ vêm recebendo os salários junto com os demais servidores, dentro do calendário atual de pagamentos. “Neste caso, a referência novembro 2016 está sendo parcelado em 5 vezes. Foram pagas as duas primeiras parcelas dias 5 e 6 e serão pagas as demais dias 11, 13 e 17”.

A Sefaz destaca que os repasses continuam sendo feitos à UERJ, “mesmo diante da grave crise financeira que o estado atravessa”, mas que, desde o início da crise, “a prioridade absoluta tem sido o pagamento dos salários dos servidores do estado”.

Supercomputador parado

Um exemplo da situação é o convênio com a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), no qual um supercomputador é mantido em funcionamento na UERJ para auxiliar no processamento de dados gerados nos experimentos com aceleradores de partículas. Entre os temas que movem os cientistas envolvidos no projeto está a origem do universo e a formação da matéria.

O equipamento que protege o supercomputador de oscilações de energia (nobreak) quebrou em novembro, e sem dinheiro para substituí-lo, a universidade teve que paralisar parte da pesquisa, que envolve instituições de todo o mundo. Um nobreak custa R$ 450 mil, mas a falta do aparelho pode causar prejuízo de aproximadamente R$ 5 milhões se o computador for ligado sem segurança. “A universidade perde prestígio se não consegue manter um sistema funcionando e rompe o contrato com o Cern, por mais que pesquisadores brasileiros continuem participando como associados”, lamenta o sub-reitor, que considera a crise na UERJ a pior que já vivenciou, por afetar os segmentos de ensino, pesquisa e extensão.

O supercomputador pode voltar a funcionar com uma doação que está sendo acertada com o Comitê Rio 2016, que utilizou um nobreak semelhante nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. No entanto, ainda não há previsão para que seja religado.

Outro projeto afetado pela falta de recursos é a construção de um prédio para o Centro de Estudos Multidisciplinares de Obesidade. O edifício de um pilotis e três andares receberia até mil pessoas por semana para pesquisa sobre obesidade por profissionais de várias especialidades, com acompanhamento de mudança do estilo de vida, avaliações físicas, psicológicas e conscientização.

A diretora do centro, Eliete Bouskela, conta que a obra começou em 2013 e parou em 2015. Enquanto não fica pronta, o número de atendimentos não passa de 80 por mês, e a abordagem multidisciplinar é prejudicada pela falta de um espaço adequado. “Praticamente todas as nossas pesquisas estão sendo afetadas. Estão faltando insumos básicos”, disse a diretora, que lidera um grupo que tinha cerca de 40 pesquisadores. “Perdemos três doutores que foram para o exterior”.

No Instituto de Biologia, o professor associado Israel Felzenszwalb conta que faltam recursos de editais aprovados nos últimos dois anos. “Isso vem dificultando trabalhos de tese de doutorado e dissertação de mestrado e causa uma desmotivação que pode acarretar em, no futuro, não termos recursos humanos”, disse o professor, que pesquisa na UERJ há mais de 45 anos. “É a maior crise que já vi a UERJ atravessar. De cada tijolo que foi posto na pesquisa, eu fiz parte, e é muito triste ver que isso pode desmoronar”, afirmou, acrescentando estar otimista para que a situação melhore.

A falta de recursos nos laboratórios, exemplifica o professor, impede a pesquisa de musgos extraídos na Antártida que podem guardar propriedades farmacêuticas e dermatológicas e interfere no monitoramento da poluição da região metropolitana do Rio. “A coisa mais impactante foi não estarmos recebendo os salários de novembro, dezembro e décimo terceiro. Isso é uma afronta”.

Assim como muitos servidores do estado, os professores, pesquisadores, bolsistas e técnicos da UERJ estão sem receber os vencimentos integrais desde novembro. Bolsistas da Faperj em outras universidades também estão sem receber. O décimo terceiro e o salário de dezembro não foram pagos, e os funcionários temem sobre o pagamento do salário de janeiro.

Segundo o sub-reitor, a UERJ não recebe os R$ 13 milhões mensais de custeio desde agosto, e pagamentos de empresas terceirizadas e contas como energia elétrica e água estão atrasados.

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