Especialistas acreditam que invasão foi cometida por grupo ligado a Estado. Empresa anunciou vazamento de dados de 500 milhões de usuários.
O ataque maciço às contas do Yahoo!, provavelmente cometido por um grupo vinculado a um Estado, pode ser um novo exemplo da “ciberguerra fria” de alguns países como a Rússia ou a China, mas não há como prová-lo, segundo especialistas.
É impossível identificar com certeza os autores da invasão inédita de 500 milhões de contas de usuários da empresa. Alguns especialistas suspeitam que a Rússia esteja implicada, outros acreditam que o ataque foi obra do crime organizado.
“Sempre é difícil atribuir a autoria de um ciberataque. Até agora nenhum Estado reivindicou um ataque desse tipo. Mas no caso do Yahoo!, o tamanho do ataque indica que foram necessários muitos recursos, meios técnicos e coordenação; emana obrigatoriamente de um Estado”, afirma Julien Nocetti, investigador do Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI).
“Em um contexto de tensões entre a Rússia e os Estados Unidos sobre a Síria, podemos formular a hipótese de uma vontade russa de testar a capacidade americana em matéria de ciberdefesa”, opina.
“Não acredito que o Yahoo! tenha atribuído o ataque a um Estado sem ter alguns elementos concretos”, sugere Shashank Joshi, pesquisador do Royal United Services Institute de Londres.
Para Nocetti, “estes ciberataques lembram a guerra fria, quando os bombardeiros sobrevoavam os países ameaçando soltar bombas”.
“Mostra que temos a capacidade de ameaçar outro Estado. Os russos e os chineses se situam em uma relação de força, uma visão militarizada das relações internacionais. É uma maneira para eles de mostrar seu poder”, diz.
Nesse contexto, o Yahoo! é um bom objetivo.
“São dados de um valor incrível, que todo serviço secreto gostaria de ter. Mas algumas presas, como o Yahoo!, são tão grandes que um ataque em grande escala tem um valor embora não haja um objetivo preciso”, acrescenta Shashank Joshi.
“O Yahoo! está caindo, mas é uma empresa simbólica que foi pioneira da web”, acrescenta Nocetti. “Há dois anos, vêm sendo feitos ataques repetidamente contra os grandes grupos de internet”.
Quem se beneficia?
China, Rússia e Coreia do Norte foram acusadas em casos recentes de hackear o grupo Sony, o canal francófono TV5, o Partido Democrata americano e a Agência Mundial Antidoping (Wada).
Mas todos os países procuram desenvolver tal capacidade, tanto os Estados Unidos como outros, lembram os especialistas.
A Rússia foi acusada também de ter invadido páginas de internet do governo ucraniano, de ter lançado ataques informáticos contra os países bálticos, de ajudar os hackers sírios pró-regime ou de ataques contra a Wada.
Em 2015, Hillary Clinton acusou a China do ataque maciço de dados nos Estados Unidos, e um relatório da empresa americana Mandiant em 2013 acusou o gigante asiático de ter roubado enormes quantidades de dados de 141 organizações.
A Coreia do Sul suspeita que a Coreia do Norte emprega 6 mil hackers treinados desde o ensino secundário para atacar as suas organizações, desde bancos a reatores nucleares, mas também o grupo Sony.
Mas na Rússia, frequentemente acusada de pirataria patrocinada pelo Estado, um especialista afirma que é ingênuo colocar a culpa imediatamente em um governo e zombou a sugestão de que os hackers eram espiões sofisticados.
“Qualquer um poderia ter invadido uma base de dados de usuários como a do Yahoo!, porque é um servidor comercial clássico”, disse Oleg Demidov, um consultor no think-tank PIR Center, em Moscou.
“No momento, isso parece uma invasão tradicional destinada a ganhar dinheiro ou a criar uma reputação com a venda de dados pessoais”, acrescentou.
“Geralmente se suspeita de importantes atores de Estado, com a Rússia e a China como principais suspeitos. Pode ser também uma falsa informação difundida de propósito”, observa François-Bernard Huyghe, pesquisador no Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS).
“Trata-se de um roubo de dados, o que já aconteceu com o Yahoo! em 2012. Os hackers puseram então os dados à venda”, acrescenta.
Michael Bittan, da Deloitte, afirma que a tendência seria “suspeitar de quem se beneficia com o crime”.
“Aqui não vemos claramente o interesse que um Estado teria em recuperar esse tipo de base de dados. Me inclinaria mais pelo crime organizado”, diz.
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