A ciência está cada vez mais próxima de fazer uma descoberta que desperta a curiosidade humana há décadas: a existência de vida fora do planeta Terra.
De acordo com o astrônomo Gustavo Porto de Mello, professor no Observatório do Valongo, no Rio de Janeiro, são grandes as possibilidades de essa notícia ser dada nos próximos dez anos. Segundo ele, alguns corpos celestes têm surpreendido os cientistas por apresentarem possibilidades de abrigar vida, ainda que microscópica.
Se até pouco tempo Marte era o favorito para dar essa boa nova, após a descoberta de água em seu subterrâneo, agora, com as recentes confirmações da presença de água em duas luas do Sistema Solar (Europa, do planeta Júpiter; e Encélado, de Saturno), os indícios de vida extraterrena ficaram ainda maiores.
Quem mais tem instigado os cientistas sobre a possibilidade de abrigar vida é a lua Europa.
“Essa lua desperta interesses desde as primeiras visitas das sondas Voyager, da Nasa , que, no final dos anos 70, mostraram o satélite completamente coberto de gelo, com uma superfície lisa e sem crateras, o que indica estar sendo renovada”, disse o astrônomo.
Segundo ele, os dados obtidos posteriormente pela sonda Galileu confirmaram essa conclusão. “Aparentemente havia algum tipo de atividade interna dentro de Europa, que mantinha o gelo renovado de forma constante. A maneira mais fácil de entender esse efeito na superfície é supor que existe um oceano, possivelmente de grandes dimensões, abaixo do gelo”.
A Missão Cassini, em Saturno, observou também esse tipo de atividade na lua Encélado. A atividade interna do satélite foi capaz de manter a água líquida abaixo da superfície e ejetar água na forma de gêiseres. Imagens feitas pelo telescópio espacial Hubble detectaram possíveis evidências de água jorrando também da superfície de Europa.
Gustavo Mello explica que, embora a sonda Galileu não tenha identificado água diretamente por meio de fotografia, foi observada uma distorção do campo magnético em Europa que, de acordo com os autores do estudo, deveria ter sido causada por emissões de água.
“Ao ser enviada ao espaço, essa água é alterada pela luz do sol, gerando uma carga elétrica capaz de distorcer o campo magnético daquela lua. Foi isso o que a sonda mediu”, explicou.
A partir desses dados, foram feitas simulações por meio de computadores que reproduziram as características das plumas de água observadas pelo Hubble em Europa. Os resultados apresentaram medidas muito parecidas com as observadas pela Galileu.
“Surgiu então mais uma evidência, dentro de um corpo de evidências muito grande e acumulado há quase 30 anos, de modo que já dá para se afirmar com muita segurança que deve haver um oceano bastante extenso de água líquida debaixo da superfície de Europa”, destacou o astrônomo.
Segundo ele, a expectativa é que, diante de tantos dados, a descoberta de algum tipo de vida extraterrena ocorra em menos de dez anos.
“Estou cada vez mais otimista de que encontraremos vida nos próximos anos. Seja em um lugar como Europa ou Marte, seja em algum planeta orbitando em outra estrela, através da detecção do oxigênio na atmosfera. Vamos detectar alguma evidência clara. Possivelmente apenas de vida microbiana, mas já é um grande ponto de partida”, conclui.
De acordo com o astrônomo, existe uma grande divisão nas escolas de astrobiologia sobre a chance de se detectar uma biosfera complexa, com animais multicelulares e inteligência, como a terrestre.
“É uma questão complicada e sem resposta clara, mas quase todo mundo concorda que vida microbiana, unicelular, simples, vai ser detectada”.
Europa Clipper
Mello tem grandes expectativas em relação à missão Europa Clipper, que está sendo planejada pela Nasa para explorar a lua de Júpiter nos primeiros anos da próxima década.
“Isso é importante porque nos últimos anos a Nasa vinha colocando muita ênfase em Marte, que é um planeta parecido com a Terra. Mas esses resultados recentes de Europa mostram uma mudança de pensamento, de modo que vai haver missões biológicas com o objetivo de buscar vida em lugares que são substancialmente diferentes da Terra”.
Segundo ele, é bastante possível que, caso sejam encontrados organismos vivos em Europa, eles sejam similares às chamadas bactérias termófilas encontradas na profundidade dos oceanos do planeta Terra.
“Da maneira como entendemos a vida na Terra, para haver vida é necessário haver três ingredientes: água líquida; uma certa química, principalmente a química orgânica do carbono, com moléculas capazes de fazer ligações; e energia, que aqui na Terra é principalmente fornecida pela luz do sol”, explicou o cientista.
No caso de Europa, a vida pode ter se desenvolvido abaixo do gelo. “Com a presença de água e com a química do carbono que já sabemos estar presente na composição do satélite. Havendo energia interna, teremos os três ingredientes necessários à vida”, acrescentou o astrônomo ressaltando que, nesse caso, seria algum tipo de vida marinha baseada na energia interna do satélite, e não na luz do sol.
Diante da curiosidade que assuntos como esse despertam nas pessoas, o Observatório do Valongo criou o projeto Vida no Universo. Por meio dele, os visitantes poderão se informar sobre diversos tipos de corpos celestes, além de eventos cósmicos e biológicos que podem vir a responder a velha e clássica pergunta: “Será que estamos sós?“.