Cientistas manipulam DNA e criam besouro com olho extra funcional

(dv) Eduardo Zattara

Animais com três olhos não são uma novidade – pelo menos na ficção. Na série Game of Thrones, um corvo de três olhos simboliza o conhecimento dos segredos do passado, presente e futuro no vasto reino de fantasia. Os biólogos querem agora fazer algo parecido.

Um besouro com três olhos, criado em laboratório recentemente, pode oferecer um verdadeiro vislumbre do futuro do estudo do desenvolvimento evolutivo.

Usando uma ferramenta genética simples, os cientistas da Universidade de Indiana (IU), nos EUA, criaram intencionalmente um olho extra totalmente funcional no meio da testa de besouro comum.

Pode parecer mais uma extravagância genética feita por humanos, mas desvendar os mecanismos biológicos por trás dessa ocorrência poderia ajudar os cientistas a entender como a evolução se baseia em “blocos de construção” genéticos e de desenvolvimento preexistentes para criar traços complexos novos ou traços antigos em locais novos.

Os resultados do estudo aparecem no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences. O trabalho também fornece informações sobre uma experiência anterior que produziu acidentalmente um olho extra como parte de um estudo para entender como a cabeça do inseto se desenvolve.

“A biologia do desenvolvimento é complexa, em parte porque não há um único gene para o olho, um cérebro, uma asa de borboleta ou a concha de uma tartaruga”, explica Armin P. Moczek, professor do Departamento de Biologia da IU, citado pelo Phys.org.

“Em vez disso, milhares de genes individuais e dezenas de processos de desenvolvimento se unem para permitir a formação de cada um desses traços. Nós também aprendemos que a evolução de um novo traço físico é como construir uma nova estrutura Lego, reutilizando e recombinando genes ‘antigos’ e processos de desenvolvimento em novos contextos”, aponta.

Por isso, a evolução de novos recursos muitas vezes requer menos mudanças genéticas do que os biólogos originalmente acreditavam. Mas, ao contrário de organizar e combinar tijolos de plástico de brinquedo para formar uma nova estrutura, Moczek diz que não está claro quais mecanismos biológicos orientam a construção de novos traços físicos em algumas circunstâncias, e não em outras.

“Pode fazer coisas novas repetidamente ou em novos lugares usando o mesmo antigo conjunto de ‘tijolos’. Mas quando brincamos com Legos, conhecemos as regras de montagem: quais peças encaixam e quais não. Na biologia, ainda lutamos para entender os respectivos homólogos”, compara.

Com o desenvolvimento de órgãos “ectópicos” – ou órgãos que se formam na parte errada do corpo, os cientistas procuram ter uma visão mais clara desse processo. Os primeiros trabalhos no campo se concentraram na formação de olhos em moscas de fruta no lugar errado, como na asa ou na perna.

No entanto, essas experiências exigiram ativar os principais genes reguladores na nova localização, uma técnica que é limitada a apenas alguns organismos de estudo. Os “olhos” resultantes também nunca foram totalmente funcionais.

O novo estudo, liderado pela IU, informa sobre a formação de um olho funcional extra – tecnicamente, uma “fusão” de dois conjuntos de olhos extras – após o desligamento de um único gene, uma técnica amplamente disponível para cientistas na maioria dos organismos.

A formação inesperada de um olho complexo e funcional em uma nova localização no processo é “um exemplo notável da capacidade dos sistemas de desenvolvimento para canalizar perturbações maciças em direção a resultados ordenados e funcionais”, diz Moczek.

Para criar um olho totalmente funcional no centro da cabeça de um besouro, a equipe de Moczek desativou um único gene chamado ortodenícula, ou odt, que sua pesquisa já demonstrou desempenhar um papel na instrução da formação da cabeça durante o desenvolvimento.

“Este estudo perturba experimentalmente a função de um único gene principal. Em resposta a essa interrupção, o desenvolvimento restante da cabeça se reorganiza para produzir um traço altamente complexo em um novo local: um olho composto no meio da cabeça. Além disso, ele realmente funciona!”, explica Moczek.

Para confirmar que o olho era um verdadeiro olho extra, a equipe da IU realizou testes múltiplos para provar que a estrutura tinha os mesmos tipos de células, expressava os mesmos genes, criava ligações nervosas adequadas e provocava a mesma resposta comportamental como um olho normal.

O que torna os resultados tão empolgantes é a técnica genética relativamente simples usada para alcançar o desativamento do gene, disse o cientista da IU Eduardo E. Zattara, principal autor do estudo.

Moczek diz que os resultados também podem ajudar a abordar questões fundamentais em desenvolvimento, evolução e medicina. Por exemplo, entender como órgãos complexos organizam seu crescimento e integração no corpo são desafios centrais que as ciências médicas devem superar para desenvolver órgãos artificiais para pesquisa e transplante.

“O uso de olhos ectópicos é um paradigma altamente acessível para estudar tudo isso em vários tipos de organismos. Consideramos que este estudo realmente abre as portas para novas vias de pesquisa em múltiplas disciplinas”, aponta Zattara.

Ciberia // HypeScience

COMPARTILHAR

DEIXE UM COMENTÁRIO:

Como é feito o café descafeinado? A bebida é realmente livre de cafeína?

O café é uma das bebidas mais populares do mundo, e seus altos níveis de cafeína estão entre os principais motivos. É um estimulante natural e muito popular que dá energia. No entanto, algumas pessoas preferem …

“Carros elétricos não são a solução para a transição energética”, diz pesquisador

Peter Norton, autor do livro “Autonorama”, questiona marketing das montadoras e a idealização da tecnologia. Em viagem ao Brasil para o lançamento de seu livro “Autonorama: uma história sobre carros inteligentes, ilusões tecnológicas e outras trapaças …

Método baseado em imagens de satélite se mostra eficaz no mapeamento de áreas agrícolas

Modelo criado no Inpe usa dados da missão Sentinel-2 – par de satélites lançado pela Agência Espacial Europeia para o monitoramento da vegetação, solos e áreas costeiras. Resultados da pesquisa podem subsidiar políticas agroambientais Usadas frequentemente …

Como o Brasil ajudou a criar o Estado de Israel

Ao presidir sessão da Assembleia Geral da ONU que culminou no acordo pela partilha da Palestina em dois Estados, Oswaldo Aranha precisou usar experiência política para aprovar resolução. O Brasil teve um importante papel no episódio …

O que são os 'círculos de fadas', formações em zonas áridas que ainda intrigam cientistas

Os membros da tribo himba, da Namíbia, contam há várias gerações que a forte respiração de um dragão deixou marcas sobre a terra. São marcas semicirculares, onde a vegetação nunca mais cresceu. Ficou apenas a terra …

Mosquitos modificados podem reduzir casos de dengue

Mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia podem estar associados a uma queda de 97% nas infecções de dengue em três cidade do vale de Aburra, na Colômbia, segundo o resultado de um estudo realizado pelo …

Chile, passado e presente, ainda deve às vítimas de violações de direitos humanos

50 anos após a ditadura chilena, ainda há questões de direitos humanos pendentes. No último 11 de setembro, durante a véspera do 50° aniversário do golpe de estado contra o presidente socialista Salvador Allende, milhares de …

Astrônomos da NASA revelam caraterísticas curiosas de sistema de exoplanetas

Os dados da missão do telescópio espacial Kepler continuam desvendando mistérios espaciais, com sete exoplanetas de um sistema estelar tendo órbitas diferentes dos que giram em torno do Sol. Cientistas identificaram sete planetas, todos eles suportando …

Em tempos de guerra, como lidar com o luto coletivo

As dores das guerras e de tantas tragédias chegam pelas TV, pelas janelinhas dos celulares, pela conversa do grupo, pelos gritos ou pelo silêncio diante do que é difícil assimilar e traduzir. Complicado de falar …

Pesquisa do Google pode resolver problemas complexos de matemática

O Google anunciou uma série de novidades para melhorar o uso educativo da busca por estudantes e professores. A ferramenta de pesquisa agora tem recursos nativos para resolver problemas mais complexos de matemática e física, inclusive …