A Escola Municipal Darcy Ribeiro costumava aparecer no noticiário de São José do Rio Preto (interior de São Paulo), mas não por motivos bons.
Em 2012, um adolescente foi flagrado em sala de aula com uma pistola semiautomática; em 2014, uma discussão entre dois alunos de 14 e 15 anos escalonou para agressões e virou caso de polícia. Salas e banheiros eram frequentemente depredados pelos próprios alunos.
Esse foi o cenário que Diego Mahfouz Faria Lima encontrou ao assumir, três anos atrás, a direção da Darcy Ribeiro, escola do ensino fundamental com mais de 800 estudantes.
“Era uma das escolas mais violentas da região. Quando vim conhecê-la, não só achei a fachada feia, como vi que o muro era cheio de buracos, onde (usuários) guardavam suas drogas. Os banheiros não tinham nem vaso sanitário“, conta ele à BBC.
Para acabar com estes problemas, Lima adotou estratégias baseadas, sobretudo, em recuperação do espaço físico e no engajamento dos alunos e da comunidade.
Os resultados, diz ele, começaram a surgir no intervalo de um ano, a começar pelos altos índices de evasão: 212 alunos haviam abandonado a escola em 2013; o número baixou para dois no ano seguinte.
O desempenho dos estudantes melhorou, embora ainda permaneça bastante abaixo do ideal: em 2011, apenas 11% dos alunos do 9º ano tinham conhecimentos adequados em português e 6% em matemática; esses índices subiram, respectivamente, para 30% e 12% em 2015 (últimos dados oficiais disponíveis).
A reversão de violência e maus resultados trouxe reconhecimento internacional: Lima é hoje uns dos 50 finalistas do Global Teacher Prize, uma das mais importantes premiações de docentes do mundo e cujo vencedor será anunciado em março.
A avaliação da Varkey Foundation, responsável pelo prêmio, é de que “acima de tudo, a escola atualmente tem um lugar na comunidade, todos sabem que são bem-vindos”.
A seguir, quatro iniciativas que Lima aplicou na recuperação da Darcy Ribeiro:
1 – Dar voz aos alunos
Lima diz que, ao assumir a direção da escola, foi recebido com uma “rebelião” por alguns alunos, que atearam fogo aos banheiros. “Peguei um microfone para dizer a eles que eu não iria embora e que estava disposto a escutá-los”, recorda o diretor.
Ouviu de volta que os alunos achavam a escola feia e excessivamente punitiva – ou seja, que qualquer coisa era motivo para suspensão. “Tudo começou a mudar quando dei voz a eles”, diz Lima.
Foi criado um mural onde os alunos deixam seus elogios, críticas e sugestões, para serem lidos pelos professores em sala. As sugestões coletivas são levadas à direção. Além disso, assembleias e o grêmio estudantil foram fortalecidos.
Com a Câmara Municipal de Rio Preto, foi lançado o projeto “vereadores mirins”: alunos escolhidos pela classe elaboram projetos levados a votação pelos vereadores “reais”. A partir disso, diz Lima, foi aprovado um projeto de lei para a criação de laboratórios de informática nas escolas da cidade.
Outro ponto-chave é a mediação de conflitos: alguns dos próprios alunos do 9º ano foram treinados por Lima para identificar e mediar a resolução de casos de bullying e conflitos. Lima também atua como mediador atualmente.
“É ensinar a ouvir o outro, a se colocar no lugar do outro. Buscamos os alunos mais indisciplinados para (comandar) a mediação, porque daí sua liderança negativa se torna positiva”, afirma o diretor.
2 – Combater à evasão
Para enfrentar o alto número de desistências por parte dos alunos, a Darcy Ribeiro criou carteirinhas para seus estudantes, de forma a monitorar o número de faltas. A cada três faltas consecutivas de um mesmo aluno, Lima ia ele próprio à casa do estudante descobrir o que estava acontecendo.
Outro problema é que a maioria dos alunos simplesmente não ia à escola nas sextas-feiras. Surgiu a ideia de tornar o ambiente escolar mais atrativo, com um show de talentos: pais e alunos passaram a realizar performances nesse dia da semana.
O distanciamento com as famílias também era um problema. Na primeira reunião de pais organizada por Lima, compareceram apenas nove familiares. Lima descobriu que muitos alunos não entregavam os comunicados das reuniões a seus responsáveis.
A solução foi contratar um carro de som, que passa pelas comunidades próximas avisando as datas das reuniões escolares.
3 – Melhorar o desempenho e a relação entre alunos e a escola
Desanimados com o mau comportamento das turmas, os professores da Darcy Ribeiro costumavam emitir cerca de 60 suspensões de alunos por semana. “Às vezes, quando o aluno era suspenso por sete dias, ele sequer voltava mais para a escola”, conta Lima.
A maneira encontrada para aproximar docentes de estudantes foi criar um programa de tutoria, em que cada professor passou zelar pelo bem-estar e pelo desempenho de uma determinada turma.
Um questionário aplicado aos estudantes e à comunidade não apenas ajudou a identificar necessidades e sonhos dos alunos, como também despertou na equipe empatia por estudantes até então considerados “problemáticos” – e que, em alguns casos, enfrentavam grandes dificuldades pessoais até então desconhecidas dos docentes.
Um plantão de dúvidas no contraturno, em que alguns dos próprios alunos viraram ajudantes dos professores, ajuda a combater problemas de aprendizado.
Para incentivar a leitura e enfrentar o alto índice de analfabetismo funcional entre os estudantes, foi criado o “Pare Para Ler” – intervalo diário de 15 minutos em que todos na escola – alunos e funcionários – se dedicam à leitura de textos escolhidos por eles próprios ou por professores.
E um clube de astronomia, que começou como uma forma de estimular o interesse pela pesquisa científica e pelas tarefas de casa, acabou virando um dos xodós da escola, levando inclusive à compra de um telescópio e ao disparo de uma sonda, acoplada a um balão de hélio, para captar imagens aéreas.
E o WhatsApp, antes proibido em classe, virou ferramenta para tirar dúvidas e discutir os projetos do clube.
4 – Embelezar a escola e melhorar os laços com a comunidade
A péssima infraestrutura – espaços abandonados, salas e banheiros degradados – era uma das principais queixas dos alunos da Darcy Ribeiro.
Lima começou pedindo, a outras escolas da região, materiais de construção e tinta que tivessem sobrado de reformas anteriores. Seu objetivo era melhorar a aparência da escola durante as férias, “para receber os alunos de uma forma diferente quando as aulas recomeçassem”.
Uma aluna viu a sala sendo pintada e a notícia da reforma acabou se espalhando, o que gerou uma onda de apoio: pais e estudantes passaram a se oferecer para ajudar. “Hoje, temos um grupo de mais de 30 pais voluntários para a manutenção da escola, varrendo ou trocando torneiras”, diz Lima.
A biblioteca, que antes era um depósito de materiais, foi revitalizada, ganhou 7 mil livros doados e agora é gerida voluntariamente pela mãe de um aluno. O muro foi pintado e grafitado, e as salas ganharam novas carteiras.
O tráfico de drogas no ambiente escolar foi coibido com a revitalização, pelos próprios alunos, da área mais degradada da escola, transformada em uma praça de leitura.
“Quando uma mãe vem e reclama que o filho (está usando ou traficando drogas), chamamos o aluno e tentamos parcerias para conseguir emprego para ele, mostrar que ele não precisa das drogas (para se sustentar ou passar o tempo)”, diz o diretor.
A escola passou a abrir aos fins de semana, com um projeto de música clássica, hoje realizado pela prefeitura em outro espaço.
O que ainda falta fazer?
A escola alcançou em 2015 a nota 4,7 no Ideb, indicador oficial usado como referência da educação básica, que varia de zero a 10. A nota superou a meta para aquele ano, mas ainda está distante dos 6,0 que o Brasil usa como referência de qualidade e almeja para suas escolas até 2021.
Lima tem como objetivo, agora, reduzir a defasagem de parte dos alunos em relação à série que cursam, coibir as faltas – ainda em nível acima do desejado – e melhorar o trabalho pedagógico.
O mais importante para revitalizar outras escolas em situação semelhante, opina ele, é “mudar o olhar” dos gestores.
“É um projeto que dá resultado se você se abrir à gestão democrática, dar voz em vez de concentrar as decisões, valorizar o protagonismo dos alunos e abrir a escola como se ela não tivesse muros”, afirma.
// BBC