Jovem negro de 26 anos, Guilherme Lopes se tornou o doutor mais jovem do Brasil. Filho de pedreiro e costureira, o universitário teve sua tese de doutorado em biologia aprovada pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), em Paranaíba.
Intitulada “Bioprospecção da bergenina isolada de Peltophorum dubium, com ênfase nas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias: aporte para o desenvolvimento de novos fitomedicamentos”, a tese é fruto de oportunidades alcançadas em função de programas de ações afirmativas e de incentivo a pesquisa, como o Ciência sem Fronteiras.
Foi por meio da bolsa que Guilherme, natural de Piripiri (PI), teve a oportunidade de passar um ano na Espanha aperfeiçoando sua pesquisa no Departamento de Farmacologia da Universidade de Sevilla.
Aluno de escola pública, o caminho de Guilherme Lopes foi pavimentado em função do Enem e do ProUni, facilitadores para que conseguisse bolsa de estudos no curso de Biomedicina da Faculdade Maurício de Nassau, na capital Teresina.
Atualmente lecionando nas disciplinas de Farmácia e Enfermagem na Faculdade Chrisfapi, o jovem ressaltou o apoio para concluir o objetivo de se tornar doutor. “Me lancei ao novo, vivenciei o inesperado, saboreei o doce e o amargo, mas em todo o tempo o Todo Poderoso cuidou de mim”, declarou ao site Awebic.
Meritocracia não, políticas públicas
Beneficiado por uma série de políticas públicas de democratização do acesso aos estudos, Guilherme afirma a necessidade do fortalecimento das ações afirmativas como instrumentos de saneamento de desigualdades históricas. Entre elas, destaca a Lei de Cotas, sancionada pelo governo federal em 2012, e que desde então provocou uma mudança no perfil dos estudantes universitários e de institutos federais.
A medida reserva 50% das vagas para alunos negros, indígenas ou pessoas vindas de escolas públicas. Efeito das cotas, o número de negros nas universidades dobrou em menos de 10 anos. De acordo com dados da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), a medida já ofertou por volta de 150 mil vagas para negros até 2015.
“Em três anos, a Lei de Cotas nas Universidades provou ser um instrumento eficaz para reduzir as desigualdades existentes na sociedade. A medida permitiu o ingresso no ensino superior de jovens que normalmente não teriam essa chance”, explicou a ex-ministra da Seppir Nilma Lino Gomes, em matéria do Geledés.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que, em 2015, o número de negros entre 18 e 24 anos que chegaram ao nível superior era de 12%, ou seja, menos da metade dos 26,5% de brancos.
O IBGE destaca ainda que a dificuldade de acesso dos negros se dá pela educação defasada recebida por essa parcela da população. No tempo em que deveriam estar matriculados em universidades, 53,2% dos negros ainda estão no ensino fundamental ou médio, ante 29,1% de brancos.
Sueli Carneiro, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e fundadora do Geledés (Instituto da Mulher Negra) primeira organização negra e feminista independente de São Paulo, acredita que a as cotas escancaram os efeitos causados pelo racismo na sociedade brasileira.
“O melhor das cotas é a sua capacidade de tirar as máscaras do racismo, da discriminação racial, e explicitar a verdadeira natureza dessas ideologias: a legitimação de privilégios raciais e sociais. Elas obrigam que os diferentes interesses envolvidos e beneficiários da exclusão se manifestem”, salientou em artigo publicado no próprio Geledés.
“E é por isso que elas são capazes de galvanizar a opinião pública porque o monopólio histórico dos grupos racialmente hegemônicos no acesso as melhores oportunidades sociais se veem por elas ameaçados. Para preservá-los, diferentes discursos são acionados”, concluiu.
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