O Senado da Argentina aprovou nesta quarta-feira (30/12) a legalização do aborto, decisão celebrada com uma explosão de alegra por milhares de mulheres que acompanharam a votação de mais de 12 horas em frente ao Congresso.
A legalização do aborto até a 14ª semana de gestação era uma promessa do presidente de centro-esquerda Alberto Fernández e já havia sido aprovada pela Câmara dos Deputados em 11 de dezembro. O texto foi apoiado por 38 senadores. Outros 29 senadores votaram contra e um se absteve.
A votação durante a madrugada foi acompanhada por milhares de mulheres que defendem o direito de poderem decidir sobre o aborto, que pularam e choraram de emoção. Pessoas que não estavam na praça também saíram para as varandas e janelas para celebrar o resultado.
“Depois de tantas tentativas e anos de luta, que nos custaram sangue e vidas, hoje finalmente fizemos história. Hoje legamos um lugar melhor para nossos filhos e nossas filhas”, disse Sandra Luján, uma psicóloga de 41 anos que participou da vigília com as jovens que usavam lenços verdes, marca distintiva da campanha a favor da legalização do aborto.
Um projeto para legalizar o aborto já havia sido aprovado pela Câmara argentina em 2018, mas depois foi rechaçado pelo Senado.
Com a aprovação desta quarta-feira, a Argentina, terra natal do papa Francisco, se torna o maior país da América Latina a legalizar o aborto, que já é permitido no Uruguai, Cuba e Guiana, além de na Cidade do México.
“O aborto seguro, legal e gratuito é lei. Comprometi-me com ele durante os dias da campanha eleitoral. Hoje somos uma sociedade melhor, que amplia direitos para as mulheres e garante a saúde pública”, postou o presidente argentino no Twitter após a votação.
Fim dos abortos clandestinos
A aprovação da lei não acompanhou as divisões partidárias. Ainda que a frente governista apoiasse o projeto, nem todos os seus congressistas votaram a favor. E houve senadores que votaram pela legalização apesar de sua fé religiosa.
“Por que queremos impor por meio da lei o que não podemos impedir com nossa religião?”, questionou a senadora Gladys González, católica praticante e integrante da frente de oposição Juntos pela Mudança, ao anunciar seu apoio ao projeto.
O governo calcula que ocorram de 370 mil a 520 mil abortos clandestinos por ano na Argentina, que tem 45 milhões de habitantes. Desde a redemocratização, em 1983, mais de 3 mil mulheres morreram devido a abortos inseguros.
Até o momento, o aborto na Argentina só era permitido em caso de estupro ou risco de vida para a mulher, de acordo com uma lei que entrou em vigor em 1921.
O texto aprovado nesta quarta-feira permite que profissionais ou estabelecimentos de saúde se recusem a fazer abortos por objeção de consciência, mas os obrigam a indicar rapidamente a paciente a outro centro hospitalar.
O Congresso também aprovou a Lei dos 1.000 dias, para apoiar com recursos e medidas de saúde mulheres de setores vulneráveis que decidam levar adiante a sua gravidez, de modo que as dificuldades econômicas não sejam um motivo para fazer o aborto.
Oposição de igrejas
A resistência à interrupção voluntária da gravidez, que adotou a cor azul, teve o apoio da Igreja Católica e da Aliança Cristã de Igrejas Evangélicas, que promoveram grandes marchas pelas ruas e missas ao ar livre durante a discussão do projeto.
Em frente ao Congresso, no grupo azul, muitas esperavam em rodas o resultado do debate parlamentar, recebido com enorme decepção. Havia também crucifixos e instalações que simulavam sepulturas, em volta de uma grande imagem de um bebê manchado de vermelho sangue.
Na quarta-feira, antes do resultado da votação ser proferido, o papa Francisco postou em seu Twitter, sem mencionar o tema em debate na Argentina: “O Filho de Deus nasceu descartado para nos dizer que todo o descartado é filho de Deus. Veio ao mundo como vem ao mundo uma criança débil e frágil, para podermos acolher com ternura as nossas fraquezas.”
Ciberia // Deutsche Welle