Após dores abdominais durante a madrugada, o presidente fez exames em Brasília e foi diagnosticada uma obstrução intestinal. Mais exames serão feitos para determinar necessidade de cirurgia de emergência. Interlocutores haviam notado nos últimos dias que presidente estava mais ansioso e cansado
Há algumas semanas assessores palacianos perceberam que o presidente Jair Bolsonaro não andava bem. Ansiedade, característica nem sempre atribuída ao mandatário da nação, ao contrário dos já conhecidos roupantes de nervosismo, foi notada por quem convive diariamente com o presidente, bem como um semblante de cansaço.
Nesta quarta-feira (14) de madrugada, Bolsonaro teve dores abdominais e foi levado ao Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Ele vinha apresentando, inclusive em público, crises de soluço.
O presidente passou por procedimento na boca recentemente, e chegou a comentar a algumas pessoas que faria uma nova cirurgia para corrigir uma hérnia, provavelmente em decorrência ainda da facada que levou durante a campanha eleitoral de 2018.
O médico que operou Bolsonaro e o salvou do ataque em Minas Gerais, Antônio Luiz Macedo, foi chamado a Brasília para examinar o presidente.
No meio da tarde, a Secretaria de Comunicação da Presidência informou que o presidente está com uma obstrução intestinal e que Macedo achou melhor levá-lo para São Paulo para novos exames. Após os resultados, o médico deverá determinar se será necessária uma cirurgia de emergência.
Nas redes sociais, o presidente divulgou uma foto dele no hospital e cutucou rivais políticos. “Mais um desafio, consequência da tentativa de assassinato promovida por antigo filiado ao PSOL, braço esquerdo do PT, para impedir a vitória de milhões de brasileiros que queriam mudanças para o Brasil. Um atentado cruel não só contra mim, mas contra a nossa democracia”, escreveu o presidente. Investigações da Polícia Federal sobre o atentado concluíram que Adélio Bispo agiu sozinho, sem envolvimento de mandante ou partido, um resultado que nunca foi aceito por Bolsonaro.
Ainda nas redes sociais, o presidente continuou: “Peço a cada um que está lendo essa mensagem que jamais desista das nossas cores, dos nossos valores! Temos riquezas e um povo maravilhoso que nenhum país no mundo tem. Com honestidade, com honra e com Deus no coração é possível mudar a realidade do nosso Brasil. Assim seguirei”.
Corrupção na CPI da Covid
Enquanto o pai fazia exames no Hospital das Forças Armadas, o filho e senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) participava da sessão da CPI da Covid que ouvia Emanuela Medrades, diretora técnica da Precisa, empresa que está no centro de um suposto esquema de compra de vacina anticovid com desvio de recurso público.
Mesmo que os soluços ou as dores abdominais não tenham relação com o mau humor e a ansiedade recentes do presidente, o conjunto da obra chamou a atenção para o ambiente de crise no Executivo.
Bolsonaro teve queda recente na sua popularidade, segundo pesquisas, e há o risco de que a mancha da corrupção tenha já maculado a imagem de sua gestão perante os eleitores, derrubando um dos principais discursos do presidente contra adversários eleitorais.
Crise entre poderes
O arsenal disparado no último domingo (11) contra Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro que determinou a instalação da CPI no Senado, provocou uma crise institucional e demonstrou o desespero de Bolsonaro.
O STF divulgou nota desmentindo declarações confusas do presidente de que Barroso seria a favor da pedofilia ao defender a redução da maioridade para estupro de vulnerável. O voto do ministro foi justamente no sentido contrário, disse a corte.
O mal-estar físico desta quarta acabou adiando uma reunião de Bolsonaro com os presidentes da Câmara Federal, do Senado e do STF que visava harmonizar a relação na República. Haverá por ora um encontro reduzido, entre o deputado Arthur Lira e o ministro Luiz Fux.
Outro fator que tem gerado dor de cabeça ao presidente, também relacionado à crise política e à percepção de uma difícil reeleição, é que o Centrão, seu ponto de apoio no Congresso, é justamente quem tem barrado o trâmite da sonhada reforma eleitoral, vista pelo presidente como caminho para embasar a tese de golpe, fartamente explorada no discurso bolsonarista contra o voto eletrônico.
Em resumo, tem-se um presidente com, não à toa, medo de morrer na praia da reeleição e que questiona desde já o resultado futuro das urnas. O mesmo presidente que para terminar o mandato depende de partidos que não parecem dispostos a encampar o discurso golpista.
A impressão de que outro tema possa prosperar, o do impeachment, caso insista em questionar instituições e o sistema eleitoral, tem gerado no presidente medos bem mais ácidos que soluços e dores abdominais.
// RFI