Um estudante de medicina negro decidiu transformar seu universo acadêmico. Desde o primeiro dia de aula na Universidade de Londres, Malone Mukwende, um zimbabuano de 20 anos que vive na Inglaterra, percebeu que a literatura médica sobre problemas de pele não incluía aspectos da cútis preta.
“Como seria a aparência disso em peles mais escuras?”, pensou por diversas vezes. A resposta veio em forma de livro com “Mind The Gap – Um manual de sinais clínicos na pele preta e marrom” (em tradução livre do original “Mind The Gap – A handbook of clinical signs in black and brown skin”), livro que ele mesmo escreveu.
A inspiração para o nome do projeto veio dos avisos sonoros do metrô londrino, que chama a atenção do usuário para o espaço entre o trem e a plataforma.
A medicina ocidental, ensinada nas universidades, foi pautada por parâmetros brancos — assim como toda a construção social que conhecemos. Por conta da opressão do povo negro, com todo tipo de segregação racial, em muitos lugares do mundo foram anos até que negros pudessem frequentar universidades, e sabemos que, até hoje, a entrada de pessoas pretos no Ensino Superior ainda é um fato a ser muito celebrado. Ainda mais em um curso tradicional como a Medicina.
Um dos resultados disso é a falta de informações específicas para o corpo negro, principalmente na área estudada por Mukwende. “Eu notei que havia uma falta de ensino sobre tons de pele mais escuros e como certos sintomas aparecem diferentemente naqueles que não são brancos”, contou o estudante, que terminou recentemente o segundo ano da graduação, ao “Washington Post”.
Ele observou que tudo aquilo que ele estava aprendendo pouco focava no tom de pessoas como ele, negro de pele escura. Um pequeno machucado ou um qualquer tipo de reação física manifestada na pele não seria visto nele da forma como pregavam os livros. “Ficou claro para mim que certos sintomas não apresentariam o mesmo em minha própria pele”, reflete.
Foi quando ele decidiu colocar o projeto “Mind The Gap” em prática. Mukwende foi conversar com amigos e expôs suas reflexões para um de suas professora, Margot Turner, responsável pelo setor de diversidade e educação médica, que não precisou se esforçar para ser convencida da necessidade de diminuir essa lacuna literária.
A obra saiu com a ajuda de outro professor, Peter Tamony. Os três assinam a autoria do trabalho, lançado pela editora da universidade.
“Nossos métodos de ensino eram injustamente desvantajosos e ‘diferenciavam’ os alunos de grupos étnicos negros e minoritários. Outra questão era sobre a segurança do paciente. Estamos treinando adequadamente nossos alunos para serem profissionais de saúde competentes, capazes de detectar sinais clínicos importantes em todos os grupos de pacientes?”, questiona o professor.
Entre os problemas de saúde levados em consideração no livro estão o câncer de pele, a meningite, psoríase a doença de Kawasaki, que provoca erupções vermelhas na pele branca, dificilmente identificadas em tons de pele mais escuros.
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