O Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e a rede mundial Climate Action Network International, que reúne associações que lutam contra o aquecimento global, divulgaram, nesta quinta-feira (14), o relatório “Injustiça social no ar: pobreza das crianças e poluição atmosférica”. O documento traz uma série de recomendações para preservar a saúde das crianças, principalmente em situação precária. Pelo menos três a cada quatro crianças francesas respiram um ar considerado tóxico.
O organismo das crianças ainda está se desenvolvendo e elas respiram com uma frequência mais elevada do que os adultos. Isso faz com que elas sejam mais vulneráveis, de uma maneira geral, à poluição e suas consequências. Em pessoas com predisposição genética, o desenvolvimento de doenças como asma, alergia, eczema, depressão, diabetes e obesidade está diretamente ligado ao excesso de gases poluentes na atmosfera.
O relatório destaca que a principal fonte de poluição atmosférica nas cidades está relacionada à circulação dos automóveis, que correspondem a 63% das emissões de monóxido de azoto. Desta forma, morar perto de marginais ou vias mais movimentadas desencadearia 15 a 30% a mais de casos de asma nas crianças, por exemplo.
A precariedade é um fator a mais de risco. Ela contribui, diz o documento, para o acúmulo de “exposições nefastas a outros tipos de poluição”, como barulho, moradia insalubre ou poluição interna. O acesso mais restrito aos cuidados médicos e o maior número de problemas de saúde provocados pelas más condições de vida também predispõem a população mais pobre – adulta e infantil – aos efeitos gerados pela poluição, diz o relatório.
Na França, cerca de 21% das crianças vivem em situação de pobreza, contra 14,8% da população geral. Estudos mostram que regiões mais desfavorecidas são cercadas por menos espaços verdes, que compensariam o efeito negativo dos gases poluentes. “As crianças mais pobres são vítimas duas vezes: são mais vulneráveis à poluição porque são crianças e essa vulnerabilidade é exacerbada pela situação socioeconômica de seus pais”, ressalta Jodie Soret, representante do Unicef, no relatório.
As duas organizações lembram, no documento, que “as crianças em situação mais precária não estão necessariamente mais expostas à poluição atmosférica do que as demais”. Em Lille, no norte da França, por exemplo, a exposição ao monóxido de azoto é maior nos meios socioeconômicos menos favorecidos, mas em Paris ocorre o contrário. Na capital, pelo menos um de cada quatro locais que recebe crianças durante o dia, como escolas ou centros de lazer, está situado perto de vias expressas, onde a poluição é mais acentuada. Em Lyon, a segunda maior cidade do país, as áreas mais poluídas são habitadas por famílias de classe média.
Menos espaços verdes
A chefe do serviço de alergologia pediátrica do hospital Trousseau, em Paris, Jocelyne Just, que participou da elaboração de um relatório do Unicef sobre os efeitos da poluição atmosférica nas crianças publicado em 2019, explica que os picos de poluição “são péssimos para a saúde e provocam um aumento dos atendimentos de emergência provocados por crises de asma. Mas há, sobretudo, uma poluição “de fundo” à qual nós e as crianças estamos expostos de maneira permanente, e que atacam nosso organismo”, disse.
O diretor do Unicef na França, Sébastien Lyon, declarou, neste mesmo documento publicado há dois anos, que a “poluição do ar não é irreversível se as decisões necessárias forem tomadas em nível nacional e local para melhorar a qualidade do ar”. Segundo ele, leis de mobilidade votadas em nível local permitem tomar medidas concretas para desacelerar o fenômeno. Um dos exemplos é a localização das escolas, de centros esportivos, parques e outras infraestruturas que recebem os menores em Paris.
Medidas
Para diminuir as consequências da poluição, o relatório publicado nesta quinta-feira (14) traz uma série de recomendações. Entre elas, a generalização das chamadas “zones à faibles émissions” (áreas com restrição de emissões, em tradução livre). Trata-se de locais onde o acesso de caminhões ou veículos mais antigos, seja a diesel, ou gasolina, é proibido. O objetivo é concentrar nessas zonas os estabelecimentos frequentados pela população mais pobre e mais exposta ao risco da poluição, como hospitais, escolas e creches.
A ideia também é, desta forma, favorecer o uso de meios de locomoção menos poluentes, como o transporte público ou a bicicleta, diminuindo a utilização do carro particular. O governo francês também vem adotando medidas ao longo dos anos para ajudar as famílias a adquirir carros elétricos, híbridos ou mais novos, que poluem menos porque são mais econômicos em combustível.
Outra medida preconizada é um acompanhamento mais próximo das gestantes e das crianças até 3 anos de idade, para evitar o máximo possível a exposição a poluentes durante a gravidez e preservar as crianças pequenas dos efeitos dos gases tóxicos. Já está provado que a poluição pode prejudicar o feto e contribuir para doenças no futuro.
A poluição atmosférica é responsável pela morte de 6.600 pessoas por ano na França, segundo dados da Santé Publique France, a agência nacional de saúde francesa.
// RFI