Apontado como causador de câncer em julgamento na Califórnia, agrotóxico é o mais usado nas plantações brasileiras. Agronegócio acompanha com atenção.
Uma decisão unânime de um tribunal federal nos Estados Unidos, que considerou o glifosato um “fator importante” para o desenvolvimento de um câncer num agricultor da Califórnia, é acompanhada de perto pelo setor do agronegócio no Brasil. O agrotóxico em questão é mais usado nas plantações brasileiras.
A batalha nos tribunais, ainda em andamento, pode abrir precedente para as mais de 11 mil ações judiciais nos EUA contra o Roundup, uma marca do produto a base de glifosato criado pela Monsanto, adquirida pela Bayer em 2018.
No Brasil, os plantios de soja e milho transgênicos são os campeões no uso do glifosato. Dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) apontam que as culturas de soja consumiram 52% das vendas de agrotóxicos no país, e 10% foram para o milho.
O sindicato não se manifesta publicamente sobre o caso nos EUA. De tão usado no agronegócio brasileiro, o agrotóxico conta com um grupo exclusivo que concentra as discussões, o chamado Gipeg (Grupo de Informações e Pesquisas sobre Glifosato).
“Não há comprovação de qualquer tipo de causalidade estabelecida entre exposição ao glifosato e o linfoma”, afirma Flávio Zambroni, coordenador do Gipeg e sócio de uma consultoria que presta serviços para a indústria química.
A ação judicial nos Estados Unidos alega que o glifosato teria causado o linfoma não-Hodgkin no homem que move o processo contra o Roundup. Esse tipo de câncer tem origem no sistema imunológico. A Bayer nega as acusações.
O Ministério da Agricultura avalia que a emblemática condenação do herbicida no país onde ele foi criado não terá impacto no Brasil. “O julgamento não é um processo de decisão baseado em ciência, e sim a decisão de um júri popular“, respondeu por e-mail à DW Brasil Carlos Ramos Venâncio, coordenador geral de Agrotóxicos e Afins do ministério.
Segundo Venâncio, haveria preocupação caso as restrições viessem “de uma organização que tem a responsabilidade de avaliar os pesticidas, o que não é o caso”.
Ligações entre o agrotóxico e câncer levaram a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC) a mudar de posicionamento em 2015. O órgão, parte da Organização Mundial da Saúde, classifica o glifosato como “provavelmente carcinogênico para humanos”.
Segundo a análise, assinada por especialistas de 11 países, existem evidências de que o produto cause a doença em pessoas que foram expostas em condições reais ao produto e provas “suficientes” de câncer em animais a partir de estudos em laboratório.
Estudos da Monsanto desmentem acusações
Naquele mesmo ano, a Monsanto, que lançou o Roundup em 1976, recrutou cientistas para conduzir estudos defendendo o glifosato. Antes de chegar ao público, o trabalho dos pesquisadores havia sido secretamente revisado por representantes da fabricante.
Cinco desses estudos foram publicados em 2016. A Monsanto contratou a consultoria científica Intertek para definir e coordenar “painéis independentes de especialistas” para publicar esses artigos em revistas. Os 15 pesquisadores concluíram, de forma unanime, que o glifosato não era cancerígeno.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirma que a substância não causa câncer, mutações, e não é tóxica para reprodução ou provoca malformação no feto. As conclusões aparecem numa nota técnica publicada recentemente, após um longo processo de reavaliação do glifosato no país.
Apesar de afastar a ligação entre glifosato e câncer, a Anvisa sugeriu mudanças para o uso do produto após o processo de reavaliação. As principais alterações estão voltadas para o aumento da proteção de trabalhadores rurais e pessoas que vivem perto de áreas que recebem aplicação do agrotóxico. A Anvisa afirma que o produto apresenta maior risco para esses grupos.
“A notícia que vem do tribunal dos EUA chega num momento muito especial. Agora é a chance de a população se manifestar e abrir o olho“, comenta Bombardi sobre a chamada pública aberta pela Anvisa para discutir as mudanças sugeridas.
ZAP // DW